Capítulo 1 - 13 de março de 2017

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O ar denso da manhã de segunda invadiu os poros de Mariana, a fina regata de seda branca colou em sua pele quando a brisa tocou seu corpo. O barulho do portão do imponente prédio se fechando, anunciava o início de mais um longo dia de trabalho. Sentia-se disposta para iniciar a semana. Acompanhando o ritmo das pessoas que caminhavam pela rua, se apressou em direção à estação do metrô.

Normalmente as pessoas julgariam estressante a agitação de uma grande cidade, mas Mariana inebriava-se pelo vai e vem de carros e pessoas, a cada passo que dava. Era contraditória a forma como se sentia à vontade diante do caos de São Paulo. Criada em uma fazenda no interior de Minas, entre cavalos e plantações de café, seduzia-se pelo movimento intenso da cidade. O ar cosmopolita tinha gosto de liberdade, alforria que experimentava há sete anos, desde quando saiu da casa dos pais.

Logo na adolescência aprendeu a contestar com argumentos as projeções de sua mãe de ser uma dama da sociedade casada com um bom partido. Estudou e empenhou-se para que não passasse o resto da vida na fazenda, mesmo sabendo que isso contrariava todos os sonhos de seu pai. Apesar dele nunca ter dito, sabia que ele esperava que um dia ela assumisse os negócios da família.

Mariana conhecia bem os projetos que seus pais tinham para sua vida, mas nunca comungou com eles os mesmos sonhos. Não priorizava relacionamentos afetivos e se apaixonou loucamente por seu trabalho, desde o primeiro dia. Casar não estava em seus planos e algo a impulsionava a provar para o mundo que não necessitava ter alguém para sentir-se completa.

Suas escolhas a fizeram conhecer o lado ambíguo da liberdade; a solidão. Esta pode ser impiedosa e dolorosa, principalmente quando alguém se aventura a assistir filmes românticos num domingo à tarde, como fizera no fim de semana passado, o qual tivera um gosto particularmente amargo. Por isso aquela segunda a trazia de volta para sua fortaleza.

Enquanto caminhava, um homem a sua frente chamou-lhe atenção. Havia algo familiar nele, que não conseguia decifrar, mas a curiosidade a impulsionava a segui-lo. Ele era alto, cabelos curtos com a nuca desenhada. Andava a passos largos e Mariana afim de não perde-lo de vista, acompanhou seu ritmo apesar dos saltos que a atrapalhava.

O perfume cítrico que ele exalava, de alguma maneira a hipnotizada, o seguia sem perceber, até que por um instante ele parou, olhou para os lados e dobrou a rua desviando da estação. Enquanto esperava para atravessar a rua e seguir seu caminho, sem conseguir controlar o impulso, observou atentamente o homem que roubou sua atenção, nos poucos segundos que pôde ver seu perfil.

Mariana levou a mão ao pescoço, era como se o ar lhe faltasse, uma estranha sensação de decepção a tomou. Um sentimento inteligível, angustiante foi interrompido pelo sinal fechado, indicando que precisava seguir a diante, iria se atrasar para o trabalho.

Mesmo que quisesse já não conseguia mais encontrar o entusiasmo anterior, com o peito apertado seguiu no piloto automático. Como um simples estranho fora capaz de desestabiliza-la de tal maneira? Um mero desconhecido.

Nem suas tarefas rotineiras conseguiu desempenhar naquela amanhã, como por exemplo verificar os e-mails dentro do trem enquanto esperava a estação que desembarcaria. Um hábito precioso que a fazia economizar alguns minutos de trabalho. Gostava de chegar ao jornal onde trabalhava ciente do que a esperava, era organizada, metódica. Mas mesmo que se esforçasse era em vão, não consegui se concentrar naquela simples tarefa. O perfume que havia sentido mais cedo ainda estava presente. Era inquietante, nostálgico e por mais que tentasse buscar em sua memória não conseguia se lembrar, ou de fato não queria se lembrar.

Com os olhos fixos na tela do telefone, empenhava-se em entender o porquê daquela fragrância lhe proporcionar tamanha perturbação. Era vívida e lhe causava uma sensação de angustia. Quanto mais buscava explicações para aquela inquietação, mais intenso parecia o aroma.

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