PROCURA-SE UM OTÁRIO

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Fudido, no meio daquele labirinto embolorado, quase despenco da escada. Estou exatamente no meio do caminho. O chão do arquivo municipal está bem longe de mim, a superfície de um planeta que deixei para trás. Já o topo do fétido armário de arquivos está bem próximo, e é escuro por lá, escuro como o olhar de um viciado quando vê uma adolescente de saia entrando em um beco. O ar aqui para cima podia ser mais leve. Julgo que estou vendo um morcego, ou um demônio, sei lá.

Estou me segurando pelo bem da minha patética vida, com uma das mãos na escada e a outra na beira da prateleira, os dedos brancos com a pressão. Meus olhos riscam uma linha acima dos nós desses então albinos dedos, para procurar entres as pastas mofadas e lá eu vejo a porra do arquivo que está quase me matando. Contudo, deixe-me voltar um pouco.

Eu me chamo Richard Richards, o Rick. Nem sempre eu precisei entrar escondido em arquivos a noite. Me lembro bem da época que ficava sentado na minha escrivaninha estudando os mais bizarros casos de homicídios do 31° distrito. Mas isso foi antes, foi antes daquelas coxas quentes na minha cara e daquela sangue morno no meu carpete.

A bendita noite que me arrancou da minha sala iluminada, e me arremessou nesse buraco onde nem o diabo defecaria. Esse buraco que eu divido entre minha moradia, meu escritório de investigação particular e o maior asilo para ratazanas caolhas do quarteirão. Em particular hoje eu vi uma de cabelos grisalhos que lembrou minha santa mãezinha.

Tudo realmente começou em uma dessas tardes de setembro, uma daquelas em que o sol fica naquele troca-troca ordinário com a garoa do entardecer. Por questão de segurança aproveitei o movimento fraco e resolvi colocar todo o meu dinheiro em lugar mais seguro, visto que a minha porta não estava fechando direito.

Enquanto colocava minhas posses terrenas em um saquinho de amendoim roído, e o escondia em um livro velho do Alan Moore, escutei o velho assoalho chorar com passos leves lá no escritório. Acertei o cabelo com o que me parecia ser um pente e adentrei a sala acendendo um cubano que tinha afanado do meu último cliente. Porém, quando entrei no escritório "pimba", engoli a fumaça de supetão.

Na minha frente estava parada a coisa mais linda que eu já tinha visto. Ela era alta como a música de um cabaré, devia ter 1,80 de cuvas sem fim, uma pele como o marfim escovado tirado de um bebê elefante albino. Os cabelos eram como uma cascata negra, que se completava em um rio serpenteante, que desaguavam no final do decote nas costas. E por fim mas, não menos importante veio o perfume, que por Deus, deve ser o cheiro que os anjos exalam quando estão com tesão.

Enquanto eu tentava afogar as ratazanas com a minha baba, ela se antecipou e fez as devidas apresentações.

―Bem, você é o detive Rick. Famigerado bêbado, mulherengo, safado e barateiro.

Nem minha mãe me conhecia tão bem. O pior é que ela continuou.

― porém, você tem duas capacidades únicas. Arranjar problemas, e sair deles. Eu preciso sair de um problema.

Puta merda, mulher problemática. Já sei como isso termina, a calcinha dela, no chão e o meu sossego no espaço. Mais uma vez antes que a escultura viva que outrora foi o dono desse pedaço pudesse balbuciar qualquer coisa, ela findou sua narrativa.

―E desculpe me, te apresentei e omiti minha identidade, sou Alma e preciso de você detetive.

Se aquela era a alma, eu realmente queria ter chorado por aquele corpo. Tentei colocar os pensamentos no lugar, peguei um velho copo ensebado na cristaleira, joguei duas pedras de gelo e as afoguei com meu uísque mais vagabundo, e diga-se de passagem o único. Me voltei para jovem que então se apoiava em uma cadeira velha, como uma musa que se exibe para seu pintor. A olhei em seus olhos profundos e disse:

Marfim NegroWhere stories live. Discover now