Enquanto caminhava e admirava os corredores e detalhes do palacete, me deparei com a triste realidade que a pobreza só é romantizada pelos tolos, pois toda a beleza servia aos ricos e seus gostos. Em uma olhada rápida entre a arquitetura e decoração mais de dois mil anos da história e cultura humana foram usadas como prostitutas apenas para compor a harmonia deste lugar.Quando cheguei à um tipo de salão de festas, Olga, a governanta me agradava com outra bela taça de bebida em mãos, me recebeu de forma polida e informou que Alma estava no banho e que em aproximadamente quarentena minutos, me encontraria pela casa e que eu tinha permissão para olhar tudo que achasse necessário. Olga me entregou um tipo de chave mestra que abria qualquer porta do lugar, a mesma se ofereceu para lavar e passar meu sobretudo e até costurar dois buracos que viu nele, pedi que só desse um jeito no buraco de tiro no ombro o corte de faca na lateral era lembrança e bem útil as vezes.
Fiz um mapa rápido com Olga antes que a governanta voltasse a seus afazeres, me perder ali não seria difícil e eu demoraria dias até achar o escritório onde o falecido faleceu. A velha Olga só pediu que não reparasse o estado do cômodo, pois após a morte do bom Sr. Cavendish nem os empregados, nem Alma iam mais ao escritório do velho. Dá até para entender o velhinho sempre foi uma mãe para essa gente, um verdadeiro milagre não ter velas na porta e romaria das seis horas.
Por fim, Olga me levou até o escritório, meio chorosa abriu a porta sem olhar para dentro e partiu pelos corredores até sumir da minha visão. O lugar estava completamente sombrio, o único cômodo da casa onde as malditas janelas não estavam abertas, as cortinas brancas de fantasmas tremulantes se converteram em guardiões silenciosos, impávidos e solenes testemunhas do ocaso de seu senhor.
O ar era pesado com uma amarga mistura do cheiro de conhaque derrubado no carpete grosso e o sepulcral odor ferruginoso do sangue seco por toda parte. Me senti em casa.
Outros fatores me foram hospitaleiros, o cofre aberto sem um centavo me fez me sentir tão à vontade que quase tirei as calças, mas as centenas de fotos espalhadas pelo lugar rapidamente me deixaram bem tímido, milhares de olhos de pequenos vigias do passado. Todos sabemos que um vigia se bem apertado entrega até a mãe, me coloquei à interrogar com meus olhos minhas testemunhas mudas.Após esquadrinhar as fotos do velhaco ignorando as fúteis fotos com celebridades, separei algumas peculiares e uma que em participar era o motivo de estar aqui. Parecia a inauguração de uma igreja e nela podia ver nitidamente na mão de Cavendish a garrafa que Glória me deu, a própria matrona das letras, o velho Irene, a já falecida Cláudia do arquivo municipal ainda de grávida do jovem Allan.
Quando estava abrindo o porta retrato precisei segurar para não molhar as calças. Uma das cortinas fantasma respirou fundo. Visto que eu não tenho a sorte de ser a alma penada do Cavendish meio sem cabeça, por uma ingratidão do destino eu não estava sozinho na sala. Por conhecimento de causa o assassino sempre volta ao local do crime e o miserável resolveu vir logo hoje só para me foder.
Tentei dissimular, me aproximar e pegar o oitão, mas sem o sobretudo minhas intenções foram claras como as de um noivo no dia da lua de mel. Antes mesmo que eu percebesse, o sujeito pegou uma das enormes cordas douradas que ornavam as cortinas e meu deu uma tremenda bordoada que me fez girar no meio da sala. Quando me voltei para ele fui recepcionado com uma voadora no meio dos peitos. Francamente! Quem dá uma voadora em um cara da minha idade, isso era pelo menos antiético e desnecessário. São caras como esse que me fazem pensar seriamente em virar um cafajeste.
Aproveitei que ele me varejou no chão quase dentro da lareira e enchi a mão de cinzas, um artifício sujo, mas necessário. De supetão acertei a fuligem no meio da máscara que o ordinário usava, mesmo protegido as cinzas são pragas que entram em todas frestas e foi o que me deu o tempo que precisava para botar a mão no meu coldre e descobrir que na porrada eu voei para um lado e o oitão para outro, tive que improvisar.
Como um mosqueteiro em fim de carreira saquei da parede uma das espadas decorativas do velho Cavendish, investi contra o mascarado que ainda se encontrava ofegante por conta das cinzas. Mesmo afetado pela fuligem o sacripanta esquivou de mim com certa maestria, passou uma mão pela lareira ligando o gás enquanto de forma muito elegante sacava um dos atiradores de brasa.
O som do ferro batendo contra o aço da lâmina da espada era estrondoso e criava faíscas que me deixavam ver os olhos vermelhos de ódio e fuligem do meu amigo mascarado. Os anos de esgrima na academia de polícia me foram muito úteis afinal, pois ele me acertava de forma implacável e continuava com seu bastão de ferro.
Saltei por cima da poltrona que quase foi partida ao meio prendendo o bastão, minha deixa para arremessar um vaso nele, que foi parar cima das bebidas no canto da sala. O cheiro misto de sangue e conhaque subiu. O mascarado saltou sobre a mesa de reunião de um só impulso, eu comecei a arremessar as garrafas que sobraram, porém com maestria o mascarado esquivou. Rolou pelo final da mesa e caiu novamente próximo a lareira onde pegou a outra espada.
Nessa hora vi que estava próximo do oitão e por uma obra do destino Alma abriu a porta distraindo o ninja dos infernos. Não sei exatamente por que diabos ele ligou o gás mas o gesto foi providencial para mim. No momento de distração do ladino peguei o oitão e disparei na lareira enquanto puxava Alma para o chão.
Como um sopro de dragão a lareira cuspiu chamas rubras no mascarado coberto de bebida. Foi lindo de ver o cara que me fez quebrar uma dúzia de garrafas acendendo como uma vela de aniversário. Mas para a minha surpresa os truques não acabavam, o ordinário correu para o enorme relógio do escritório o empurrou revelando uma passagem e desapareceu fumegando na escuridão.
Alma conseguiu se levantar bem mais rápido e me ajudou a sair da sala que já começava a arder em chamas, confesso que se ela não estivesse ali, talvez minha carcaça velha fosse se transformar em um churrasco. Eu já não estou na flor da idade e o cidadão me bateu com gosto. A brigada de incêndio da mansão rapidamente apareceu e aplacou as chamas, já meu corpo ardia por inteiro. Alma, bebendo uma taça de alguma coisa veio até mim com um copo de algo forte em sua outra mão e me deu logo iniciando seu discurso.
― Está bem, Detetive? Parece que as coisas lá dentro foram feias. Devo agradecer a vocês dois, pois confesso que minha vontade depois da morte do Tim, era destruir esse escritório e vocês fizeram um belo trabalho de redecoração.
Me levantei acertei os cabelos e a gravata olhei no meio dos olhos devoradores de Alma e finalmente me pronunciei.
― Alma, fisicamente estou ótimo, emocionalmente abalado pela perda de garrafas inocentes. Hoje bebidas que não mereciam, foram perdidas e isso é um sacrilégio. Sobre a redecoração, não à de que, foi um prazer me esfregar pelos quatro cantos do cômodo e explodir com ele. - Por uma necessidade médica tomei a taça das mãos de Alma e concluí.
― Acho que chegou a hora de você contar quem mais sábia das passagens secretas do seu velho nazista.

Olá.
Espero que estejam gostando tanto de ler, quanto estou gostando de escrever os dissabores dos casos cabulosos do detetive Rick.
Não esqueçam de comentar, se gostaram e só ir lá na estrelinha e favoritar, para ficar sempre por dentro das novidades é só ir lá em seguir e colocar o livro lá na sua biblioteca para você ler sempre que sentir saudades da Alma.
E toda semana um capítulo novo acinzentando a sua vida.
UM AGRADECIMENTO
Anos de RPG me ajudaram a ter as ideais escabrosas que forjam minhas histórias.
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Marfim Negro
Mystery / Thriller"RICK - MELHOR PROTAGONISTA DO RASCUNHOS DE OURO 2017" "A história Noir que deixou a Batata Crítica apaixonada, levando pra casa um 99% - afinal ninguém é perfeito." Um ocioso detetive beberrão, mulherengo, barateiro e de poucos escrúpulos, uma sedu...