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- Continuo confuso...- disse ele com uma aura inocente à sua volta.- Continuo sem perceber o porquê de tudo isso, não deveria o amor ser algo onde deveríamos arriscar e dar o nosso coração? Estar disposto a correr riscos? Apenas pelo desejo e a necessidade que o humano tem de amar?

- Talvez tenhas razão. - respondi. - Mas, por vezes, as coisas não são bem como pensamos, principalmente na tua idade, querido.

- Mas o que quer isso dizer? Não tenho idade para amar? - mostrou-se confuso.

-Nada disso. - sorri. - Mas, mesmo quando amamos, o sentimento que recebemos pode não ser o mesmo que desejaríamos para nós próprios. E é aí que acabamos por nos perder, não tendo certezas do futuro nem mesmo do próprio passado.

40 anos antes

"Ainda me lembro dessa presença tão doce dentro de mim. O amor que me preenchia o coração e me aquecia o corpo. É verdade que todos ficamos cegos. Mas não vamos culpar o amor, mas antes as pessoas. O amor de nada tem culpa; é a coisa mais próxima que temos de magia. É o que nos tira da realidade e o que nos faz sentir o mais próximo de felicidade.

Tinha apenas 17 anos quando conheci o amor. Senti um calor intenso a cobrir-me o coração, senti-me bem. No entanto, isso não significa que tudo estivesse realmente bem. Não estava. O amor que conheci não era o amor que desejava ter conhecido. Na altura vivia num clima muito baseado na religião. Não uma religião comum que todos conhecem. Desde pequena, tal religião ensinou-me a obedecer ao "sexo grande": o sexo masculino. Eles eram "merecedores" da força e da superioridade. Nós, mulheres, apenas nos cabia ouvir e obedecer.

Durante toda a minha infância, até fazer os meus 17 anos, as palavras "ouvir" e "obedecer" sempre se mostraram presentes no meu dia a dia. Apenas até aos meus 17 anos pois, a partir desse momento, a minha vida deu uma volta completamente drástica. Não falo de mudanças comuns de raparigas adolescentes. Eu era bastante fechada na altura. Não é que eu não me quisesse divertir na altura, muito pelo contrário. A minha mãe encarregou-se de me proibir de descobrir coisas novas: fumar, beber, conhecer amigos novos, apanhar uma ressaca, ter namorados, beijar... coisas do género. Acredita que lhe perguntei várias vezes o porquê de tudo isso, mas ela nunca foi capaz de me responder.

Vou começar pelo ponto que pensei ter sido o inicio, mas que sei agora ter sido próximo do fim. Como disse, tinha apenas 17 anos quando conheci o amor. E tinha apenas 17 anos quando conheci James Watters. Devo admitir que era um jovem bastante encantador, o tipo de rapaz que consegue dar a volta a qualquer rapariga adolescente que queira conhecer o amor. Tudo isto aconteceu numa simples noite. Eu tinha fugido de casa, já não era a primeira vez. Comecei a fazê-lo porque comecei a conhecer pessoas, verdadeiros amigos. Eles conheciam o mundo, e conheciam a palavra "viver", enquanto que eu não. Eles ensinaram-me tudo o que precisava de saber, e outras coisas também. Não é que eles fossem tão boas companhias para alguém como eu, mas na altura eu estava apaixonada por tudo o que era novo para mim.

Comecei, portanto, a fumar e a beber. Nem queiras saber da minha primeira ressaca.

Tudo aconteceu nessa tal noite que fugi de casa para me encontrar com os meus amigos. Combinámos encontrarmos-nos num bar perto da cidade, não muito longe da minha chamada casa. Quando lá cheguei, lembro-me de os meus amigos estarem completamente bêbedos, parece que não quiseram esperar por mim na altura. Fui ter com eles, disse-lhes olá e logo entrei no clima. Comecei a beber e a beber sem parar, felizmente já estava habituada. Tinha também uma melhor amiga, a Kate. Foi ela que me ensinou praticamente tudo o que os adolescentes faziam. Era uma grande amiga, e eu nunca lhe irei conseguir agradecer o suficiente. Eu sei que parece uma má influência, mas que sabia eu?

Estávamos no bar onde se encontravam várias mulheres e até adolescentes da nossa idade a fazerem demonstrações de 'strip' para homens babados. Era algo que várias raparigas faziam para ganhar a vida, deixando o orgulho e a dignidade para trás. A Kate começou a dar a ideia de ambas trabalharmos neste bar. Era bastante frequentado na altura, e era algo que poderia dar jeito no futuro. Não me refiro a trabalhar como bailarina de 'strip' (nem eu tinha estofo para isso), nós apenas tínhamos que atender os clientes ao balcão e dar tudo o que eles pedissem. No entanto, se eles nos pedissem um beijo ou outro tipo de coisas perversas, o patrão expulsava-os logo do bar. Ele era um bom homem, tinha dinheiro e jamais iria desejar que as suas empregadas fossem vitimas de maus tratos no trabalho.

Começaríamos a trabalhar já amanhã. Eu tinha um bom pressentimento quanto ao trabalho, iria divertir-me bastante com a minha melhor amiga e ainda ganhar um bom dinheiro sem que os meus pais descobrissem. Estava confiante, era nova e eu sabia que ainda tinha bastante para conhecer.

Na noite seguinte comecei então a trabalhar com a Kate. Correu tudo lindamente, óbvio que tivemos uns pequenos problemas com alguns comentários que homens faziam sobre o nosso corpo, mas não podíamos fazer nada quanto a isso, a não ser que quiséssemos ser despedidas no primeiro dia. No entanto, senti-me vulnerável. Ver tanta gente a olhar para mim e não poder fazer nada. Limitava-me a fazer tudo o que a Kate fazia, e vivia como se não tivesse vontade própria.

Depois do trabalho, saímos do bar para voltarmos para casa antes que a minha mãe fosse confirmar se realmente estava a dormir. Enquanto esperávamos pelo táxi para nos levar a casa, avistei um grupo de homens perto do bar. Estavam a fumar e a beber uns com os outros, mas não foi isso que me chamou à atenção no momento. Um dos homens que lá se encontrava mantinha o seu olhar colado a mim. Como se me estivesse a comer com os olhos. Sorri, no pensamento de ele me reconhecer do balcão do bar, mas ele logo virou a cara.

Cinco minutos depois o táxi chegou. Entrei dentro do táxi com a Kate e quando voltei a olhar para o homem ele estava a olhar para mim de novo. Os seus olhos eram profundos e o seu olhar intenso, devo admitir que na altura meteu-me um pouco de medo, mas manti-me firme a pensar que ele nada mais queria para além de amizade.

Cheguei a casa e encontrei a minha mãe, ainda acordada, no sofá. Ela nada me disse. Saí a pensar que ninguém iria dar pela minha falta e lá estava a minha mãe a ver-me chegar a casa. Disse-lhe "boa noite", com medo do que ela pudesse dizer, e subi as escadas dirigindo-me para o meu quarto. Eu sabia que isto não ia ficar por aqui, provavelmente a minha mãe queria guardar tal discussão para amanhã, com receio de acordar o meu pai.

Deitei-me na cama e quando estava prestes a adormecer ouvi o telefone lá em baixo a tocar. Não era muito comum recebermos telefonemas de alguém, muita pouca gente tinha o nosso número, e quem tinha apenas telefonaria em caso de emergência. Desci as escadas e peguei no telefone. No entanto, quando perguntei o que queriam e ninguém respondeu de volta. Fiquei vários segundos a aguardar por uma resposta ou que se identificassem mas, de novo, ninguém respondeu. Conseguia ouvir, claramente, o seu respirar profundo e cansado mas, logo, desligou a chamada. Óbvio que à primeira vista achei muito estranho, mas talvez fosse alguém que eu conhecesse ou amigos dos meus pais. Pousei o telefone e subi as escadas para ir dormir. Afinal de contas era apenas um telefonema sem nexo."

Com amor,
Lyhn.

Cartas De LyhnOnde histórias criam vida. Descubra agora