"No dia seguinte acordei com o reflexo sol pela manhã. Parecia ser cedo, umas sete horas da manhã. No entanto, eu sabia que estava enganada. Os dias estavam mais sombrios, o inverno estava a caminho e, cada vez, mais próximo. Não era comum levantarmos-nos tarde cá em casa, caso contrário a minha mãe encarregava-se com que a gente tivesse o pior dia de sempre. Como podes ver a minha vida não era propriamente fácil. As pessoas, no geral, também não tinham uma vida propriamente fácil. Tudo se baseava em drogas, bebida e dinheiro. Alguns tinham sorte e outros não.

Quando acordei levantei-me da cama e dirigi-me até à cozinha, ainda de pijama. Pelo caminho encontrei o meu pai que logo me cumprimentou com um beijo, suave e doce, na testa. O meu pai era a única pessoa no meu pequeno mundo que me compreendia melhor. Quando cheguei à cozinha encontrei-me com a minha mãe que logo me deu um olhar zangado. Ambas sabíamos do que se tratava. Ela não falou durante o pequeno almoço, aliás ninguém falou. O meu pai já era uma pessoa simples e quieta e a minha mãe, chateada, como sempre. O ambiente em casa não podia estar pior, mas meio que já era habitual.

Alguns minutos depois o meu pai levantou-se da mesa e foi em direção à porta, segurando o seu casaco, para ir trabalhar. Deu-me um beijo na testa e agradeceu à minha mãe pelo pequeno almoço. Não me agradava quando ficava sozinha com a minha mãe logo após o meu pai sair para o trabalho, logo hoje que ia ouvir outro sermão. Quando o meu pai abriu a porta de casa e saiu a minha mãe logo se levantou da mesa e arrumou os pratos que se encontravam na mesa. Parecia nervosa com algo, mas não se atreveu em falar.

Após um enorme silêncio constrangedor entre nós, a minha mãe parou tudo o que estava a fazer e pousou os pratos que tinha na mão, de novo na mesa. Olhou para mim durante uns segundos e logo falou, nervosa.

- Temos que falar.

-Falar? Sobre o quê? - disse, com receio de que fosse sobre o que acontecera na noite anterior.

- É importante. No entanto, estou só a contar-te porque penso que precisas de te ir preparando, porque, na verdade, não tens mesmo escolha no assunto.

- O quê? Então não queres falar sobre o que aconteceu ontem à noite? - disse confusa.

- Nem por isso Lyhn. - disse chateada. - Sei muito bem que não é a primeira vez.

Quando a minha mãe disse isso eu fiquei ainda mais nervosa. Isto significa que ontem não seria a primeira vez que ela deu pela minha falta. A minha mãe tem andado a controlar todos os meus passos nos últimos dias e só agora dei por isso.

- Mãe... - disse nervosa. - Por favor, se é algo grave sobre a situação do pai tens que me dizer.

O meu pai tem um estado de saúde grave. O meu pai participou na guerra e, felizmente, saiu de lá vivo, mas regressou com traumas e problemas de saúde nos pulmões. Ele está a melhorar, está estável. Toma vários medicamentos diferentes por dia e, desde então não mostra qualquer tipo de sinal de trauma. Sei que ainda pensa nisso frequentemente, quem não pensaria? Após uma guerra tão violenta, a assistir a morte de tanta gente e não poder fazer nada. Ainda hoje sinto muita pena pelo meu pai, e jamais esquecerei as saudades que tive dele quando partiu para a guerra mas, na altura, como era nova, não tinha noção do tipo de sitio para onde ele ia, muito menos do que se tratava.

- Ouve, Lyhn, isto não se trata de uma brincadeira. - disse com um olhar frio. - Isto depende do nosso futuro, do meu e do teu pai. Nós temos cuidado de ti todos estes anos e tu nada fizeste por nós para além de nos desobedecer e sair à noite sem dizer uma única palavra.

- Mãe... desculpa.

- Escuta o que tenho para te dizer. Eu e o teu pai pensámos muito no assunto, discutimos várias vezes sobre isto e eu cheguei à conclusão de que a nossa única solução é tu casares o mais depressa possível.

- Casar? - disse surpresa. - Desde quando é que um casamento vai salvar-nos financeiramente? E eu? Não tenho nada a dizer sobre o assunto?

- Não temos outra escolha, e tu muito menos tens uma opinião a dar sobre isto. Vais casar ou podes muito bem esquecer o facto de que um dia tiveste família.

- Mãe? Eu sei que não estamos muito bem de dinheiro, e também sei que o pai ainda não está em condições para voltar a trabalhar. Mas casar? Eu tenho apenas 17 anos, tu não me podes obrigar a uma coisa destas.

- Volto a dizer mais uma vez porque parece que não percebeste muito bem: tu não tens escolha, Lyhn. Nem vai haver mais discussões acerca disto. A decisão já está tomada, e eu e o teu pai já estamos a discutir o assunto.

- Vocês têm andado a preparar o meu "casamento" de que só soube agora?- disse, sarcasticamente.

- Exatamente, agora vai para o teu quarto e vai pensando em preparar-te para seres uma boa esposa para o teu marido.

- Claro, mãe. "Ouvir" e "obedecer", já sei de tudo isso, obrigada.

Saí da cozinha e, com raiva, dirigi-me até ao meu quarto para mudar de roupa. Peguei no casaco e logo fui a correr até à porta para sair de casa. Eu acabara de perceber que a minha vida estava prestes a mudar. Eu agradeço do fundo do coração o que a minha mãe e o meu pai têm feito por mim ao longo de todos estes anos, mas eles não têm o direito de decidir a minha vida por mim. A minha vida não se trata de uma simples folha de papel onde qualquer um possa escrever.

Liguei a Kate mas não tive qualquer tipo de resposta. Andei e andei pela estrada. Estava tão distraída a pensar que a primeira coisa que me ocorreu foi o bar onde eu e a Kate trabalhávamos. Conhecia pouca gente de lá mas não hesitei e dirigi-me até ao bar, na esperança de me poder distrair um pouco. Na altura pareceu-me uma boa ideia. Só pensava em procurar um sitio para me "esconder" da minha mãe e dos seus "casamentos".

Antes de chegar ao bar, avistei um carro na estrada que transportava um homem cuja face era me familiar, porém não me lembrava de onde. O carro aproximava-se cada vez mais e parecia estar a dirigir-se na minha direção. Quanto mais se aproximava mais a sua cara se tornava nítida, no entanto, continuava sem saber de onde o conhecia. De repente, o carro parou ao meu lado, na estrada. Permaneci parada à espera de uma resposta, um pouco nervosa. Parecia um homem de 20/25 anos, novo, olhos azuis, brilhantes e de cabelos escuros. A sua cara estava rodeada de uma barba simples e densa. Para ser sincera, não era nada mau tendo em conta os homens que se encontravam por aí.

- Não gostarias de uma boleia? Diz-me para onde queres ir, talvez fique a caminho para onde vou. - disse, confiante e com um sorriso sedutor na cara.

- Desculpa, - sorri. - mas eu nem o conheço.

- "O" conheço? Vá lá, trata-me por "tu" e considera isto uma oferta de um "amigo". Eu não mordo, ainda. - riu.

- Eu só estava a caminho do bar ao fundo da estrada. - disse como se não tivesse outra alternativa senão aceitar a sua oferta.

- Eu conheço um bar ainda melhor, confia em mim e entra. Não custa nada e não pareces muito ocupada, ou estou enganado? - sorriu de novo.

Ele parecia simpático, charmoso e boa pessoa. Entrei no carro e logo voltou a pôr o carro a trabalhar. Não conseguia parar de pensar que conhecia este homem, mas de onde poderia ser?"

Com amor,
Lyhn.

Cartas De LyhnOnde histórias criam vida. Descubra agora