" - Vais continuar sem me dizer o que se passou ali? - disse, cansada dos vários minutos de silêncio que passaram desde que entrámos no carro.- Não tenho nada a dizer sobre isso. - disse, chateado.
- Muito pelo contrário, James. Deves-me uma explicação. - insisti.
- Que queres te diga? Senti-me mal disposto, só isso.
- Essa má disposição foi muito repentina. Quem eram aqueles homens que estavam a olhar para ti?
- Velhos amigos, não há mais nada para dizer. Se queres continuar a insistir com isto força, mas eu não digo mais nada.
Por mais que tentasse, eu não conseguia perceber o porquê de James estar a reagir assim. Parecia tão perturbado. Talvez devesse respeitar o seu silêncio e a sua escolha de não querer tocar no assunto, mas eu percebi que o que acontecera no restaurante o afetara bastante. Mesmo assim, eu insistia por uma boa explicação para tudo isto. Não gostava de o ver chateado e, devo admitir que, isso também me começou a afetar.
Demorou um pouco a chegarmos a casa de James. A viagem foi bastante silenciosa, James não disse uma única palavra desde que tivemos aquele pequeno desentendimento. Ele ainda estava chateado mas parecia estar mais calmo, felizmente.
Quando chegámos a sua casa, James parou o carro e tirou as chaves. Permaneceu parado, sem dizer nada, a olhar apenas para a sua frente onde se encontrava nada mais que uma árvore.
- Não quero parecer ingrato, porque tu fizeste com que não passasse o dia de hoje sozinho e eu admito que adorei estar contigo, até mesmo o jantar. Mas, por favor, não te metas na minha vida pessoal.
Eu percebi que as suas palavras eram sinceras. James estava arrependido pela maneira como reagiu comigo depois do jantar. Mas, mesmo que estivesse afetada por tudo o que se passou hoje e por mais curiosa que estivesse em saber o que aqueles homens queriam de James, eu não podia fazer mais nada senão respeitar a sua decisão.
- Desculpa, acho que exagerei um pouco. Não devia ter insistido, é a tua vida.
- E tu agora fazes parte dela, isto é, se quiseres, mas não penses que eu vou querer que te afastes por uma pequena discussão.
- Claro, James. A escolha é tua.
Admito que fiquei feliz naquele momento por saber que o que se passou não interferiu na nossa nova amizade. Afinal, era tudo tão recente. No entanto, algo me dizia que não seria a última vez que a vida de James me iria afetar.
Decidimos então sair do carro e dirigimo-nos até à casa de James. Antes de James colocar a chave de casa na porta, pára um carro atrás de nós. Infelizmente, eu conhecia aquele carro. A minha mãe tinha acabado de chegar a casa de James. Mas como seria isso possível? Ela nem conhecia o James, nem sabia da sua existência, ela nem sabia onde eu estava. Da última vez que nos vimos, esta manhã, eu saí de casa chateada e ela nem veio atrás de mim. Aliás, eu entrei logo no carro do James, mesmo que quisesse ela não me conseguiria perseguir. Algo de muito errado se passava aqui. Olhei para a cara de James e ele estava igualmente surpreendido por ver a minha mãe, não tendo a mínima ideia de quem ela era. A minha mãe encontrava-se ainda de pijama, via-se que a raiva lhe corria pelo sangue pela sua cara vermelha.
Ela saiu então do carro e logo veio direito a mim. Estava furiosa e eu nem queria pensar no que me esperava quando chegássemos a casa.
- Lyhn! Devias ter vergonha nessa cara, não passei todos estes anos a educar-te para andares metida com outro homem senão o teu marido. - disse, agarrando-me no braço.
- Mãe, larga-me, estás a magoar-me. - disse, soltando o meu braço da sua mão. - Eu já disse e volto a repetir: eu não vou casar com ninguém!
Nesse momento, olhei para James. Já me tinha esquecido de que ele estava ao meu lado e a ouvir toda esta conversa. Nós acabáramos de nos tornar amigos, ele vai pensar que eu traí a sua confiança, de que não tive coragem suficiente para lhe dizer que ia casar com alguém, ou que já estaria casada. Eu sabia que não lhe devia nenhum tipo de justificação sobre a minha vida, mas senti que ele tinha o direito de saber. Antes de lhe puder dizer algo, a minha mãe voltou a falar.
- E tu. - disse, olhando para James. - Não tens vergonha nenhuma de andar metido com uma mulher casada?
James permaneceu calado, sem saber o que dizer nem o que fazer. Senti-me mal por o colocar nessa situação mas não conseguia parar de pensar de que algo não parecia bem no meio disto tudo. Toda esta história de a minha mãe aparecer aqui não faz sentido nenhum. Como disse anteriormente, é impossível ela me ter seguido até aqui. Ou será que ela tinha a coragem de mandar alguém vir atrás de mim?
- Ele não sabia de nada mãe, para além disso nós somos só amigos. E quantas vezes tenho que te dizer que esse casamento que tanto desejas não vai acontecer?
- Se vai acontecer ou não cabe-me a mim decidir, e a ti obedecer. Simples. Agora vamos para casa, e despede-te do teu "amigo" porque é pecado uma mulher casada andar a ver outro homem.
Eu simplesmente revirei os olhos. A minha mãe nada mais disse e voltou para o carro impedindo-me de falar. Eu estava completamente furiosa e revoltada com toda esta situação. Eu não conseguia imaginar como James se deveria estar a sentir neste momento, o que a minha mãe lhe disse foi horrível, fez-lhe passar por um homem nojento que anda com mulheres "casadas". Na altura, não tive coragem de lhe explicar o que se acabara de passar e, por isso, simplesmente lhe pedi desculpa por o ter colocado nesta situação e virei-lhe as costas enquanto voltava para o carro, onde se encontrava a minha mãe, impaciente com as mãos no volante. James nada disse, mas não o censuro por isso. Parece que a amizade entre nós que teria começado hoje acabou no mesmo dia.
Toda a viagem até casa com a minha mãe foi silenciosa. Ela estava completamente louca, ainda não conseguia acreditar que acabara de ser humilhada à frente do James pela minha mãe e, o pior de tudo, era que James também fora humilhado, pela simples razão de ser meu amigo. Após uns minutos já estávamos em casa, pela velocidade com que a minha mãe ia não era de esperar outra coisa. Quando chegámos, eu logo saí do carro, fechando a porta com força, e dirigi-me até à porta onde se encontrava o meu pai. A minha primeira reação foi abraçá-lo. Estar abraçada ao meu pai face a toda esta situação com o James e a minha mãe, lágrimas começaram a escorrer pela minha cara. Apertei o meu pai com força, abraçando-o cada vez mais. A minha mãe ao ver isto parece que ainda ficou mais furiosa comigo, como se eu estivesse a dar uma espécie de graxa ao meu pai para que ele tivesse pena de mim e mudasse de ideias quanto ao casamento, quem me dera a mim poder fazer tal coisa. O meu pai logo retribuiu o abraço. Foi como se ele tivesse percebido o que se acabara de passar. Eu amava o meu pai mais do que tudo, e não fazia intenção de lhe pedir que mudasse a opinião da minha mãe quanto a este casamento porque eu tinha a certeza de que, mesmo ele concordando com este casamento, eu sabia que lá no fundo ele jamais o aprovaria. Por isso, permaneci calada."
Com amor,
Lyhn.
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Cartas De Lyhn
Historical FictionNuma conjuntura de guerra, o país encontrava-se totalmente devastado. O pai de Lyhn participara na guerra e, felizmente, chegou a casa são e salvo. No entanto, a vida de Lyhn não é propriamente fácil e a sua relação com a sua mãe prejudica a sua fel...