CONFISSÃO #22: EU TENHO MEDO DE NÃO PASSAR DO INVERNO

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PARTE 51 - O INVERNO

A morte de alguém próximo que também lutava contra o HIV mexeu muito comigo. Eu fiquei tão impressionado e com medo que fui conversar com uma amiga enfermeira. Ela me revelou que apesar do tratamento hoje ser uma maravilha e controlar o vírus na maioria dos casos, ainda assim, muitos pacientes morriam.

Aquele senhor pai de minha amiga não teria sido o único naquela semana inclusive. Segundo esta mesma enfermeira, só naquela semana, tivemos três óbitos devido a doenças oportunistas. Isso me pareceu um pouco assustador.

Eu fiquei com uma preocupação extra. Como eu trabalho numa piscina, na hidroginástica, eu tenho muita troca de temperaturas. O inverno estava começando e a outra professora de hidroginástica da academia me contou que teve pneumonia por esse motivo. Além disso, uma outra aluna que não costumava secar bem os cabelos também apresentou o mesmo quadro.

Por mais que eu esteja com uma ótima adesão ao tratamento, níveis altos de CD4, eu ainda assim corro o risco maior de adquirir uma pneumonia bacteriana. Isso poderia me custar caro. Foi quando comecei a tomar algumas atitudes de prevenção, já que aqui em Uruguaiana chegamos a temperaturas negativas no inverno: sempre manter a roupa seca, sempre trocar as roupas do corpo quando estiverem úmidas e evitar sair na madrugada em festas e clubes.

Mas ainda tinha o principal que seria o mais difícil: parar de fumar.

PARTE 52 - ADEUS NICOTINA

Fui fumante por 10 anos. Fumava cerca de uma carteira de cigarro por dia. Bastante se for ver. Eu nunca dava a devida importância a isso pelo fato de eu fazer muita atividade física. Eu sabia que o ato de fumar para mim era reduzido pela metade. Eu pedalava, corria, fazia musculação, etc...

Depois do meu diagnóstico o médico foi bem claro, eu teria que parar de fumar. Eu tinha certo para mim que isso aconteceria em algum momento próximo. Mas pensem comigo, eu tive uma notícia terrível que mudou toda minha vida, tive que começar um tratamento que no início foi bem complicado, tive que readaptar minha alimentação e evitar bebidas. Algo eu tinha que continuar. O cigarro me ajudou a passar por esse momento. Quem fuma sabe que ele ajuda a relaxar, além de ser um momento de reflexão. É você e seu cigarro... A cada tragada um pensamento.

Eu estava com a dieta a mil, onde consegui ficar com os 62kg que eu tanto queria. Pedalava duas horas diariamente. Foi então que apareceu uma lesão no meu quadril e tive que parar de pedalar. Quando isso aconteceu, eu comecei a assimilar que eu deveria largar o tabaco logo, afinal, não tinha mais o respaldo do exercício aeróbico para amenizar os efeitos do cigarro.

No dia 07 de junho de 2015, fui numa janta na antiga casa da minha irmã, junto de amigos que temos em comum. Minha pequena afilhada estava lá, claro. Cada vez que eu saia para fumar ele me acompanhava. Numa dessas saídas ela pegou seus dedinhos e fingiu estar fumando. Foi como tomar um soco no estômago. O que eu estava fazendo? Ela estava se espelhando em mim. Achou que era bonito fumar. Eu perguntei: "o que você está fazendo?". "Estou fumando igual a você dindo Léo", respondeu. Eu tentei argumentar, mas cada resposta dela vinha como um soco direto no meu estômago. Até que eu disse: "não, não é bonito fumar, esse é o último cigarro do dindo, nunca mais o dindo vai fumar novamente".

Enquanto estava lá, não fumei mais. Tinha ainda quase um maço inteiro de cigarros. Terminei ele e nunca mais fumei novamente. Ela conseguiu o que muitos tentaram, eu realmente parei de fumar. Fiquei com minha consciência mais tranquila. Mais um ponto que ajudaria em minha saúde e a passar mais tranquilo pelo inverno.

Mas tenho que dizer. Por mais otimista que eu seja, por mais que eu saiba que faço tudo certinho e que me cuido muito para me manter saudável, todo início desta estação eu penso: "será que eu passo deste inverno?".

HIV/AIDS - Confissões de um soropositivoOnde histórias criam vida. Descubra agora