CONFISSÃO #11: POR UM MINUTO PENSEI EM DESISTIR

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PARTE 28 - MEU QUERIDO EFA

Quinta-feira, dia 27 de novembro de 2013. Cheguei em casa com os dois frascos que guardavam meu medicamento. Já devia começar a tomar eles na própria quinta. Tanto o infecto quando a assistente foram bem claros: eu deveria tomar um de 12 em 12 horas e o Efavirenz antes de dormir. Mas assim, literalmente antes de dormir, pelo fato de eu ter grandes chances de não conseguir ficar em pé. Com isso já podemos ter uma noção da força desta droga em nosso organismo.

Pois bem, meia-noite tomei meu combo 2 em 1 e o Efavirenz - carinhosamente chamado por nós de Efa, tomei um pouco depois. Minha família estava vendo um filme na sala de casa e depois de engolir o comprimido eu devo ter ficado com eles na sala por uns três minutos no máximo. Foi o suficiente. Quando percebi estava me babando. Tentei me levantar e sentei de novo. Respirei fundo e finalmente fiquei de pé. A língua travada. Visão turva. Mas consegui, no melhor estilo "The Walking Dead" ir até o quarto. Chegando lá só me joguei na cama. Foi por pouco que não me estendi no chão. De repente um calorão fora do comum, tipo 40 de febre, tomou conta do meu corpo e tudo começou a girar.

Eu não sei se o que eu vi depois disso foi alucinação ou sonho, mas foi uma das vivências mais psicodélicas da minha vida. Muita cor, imagens distorcidas, vozes de pessoas falando ao mesmo tempo e quando percebi acordei. Sabe quando você toma um porre de champagne e acorda ressaca? Um misto de sequência da bebedeira com ressaca. Sabe? Assim que dei uma aula de hidroginástica às 8h da manhã. Por pelo menos uns quatro momentos eu quase caí na piscina. Fiquei trabalhando assim até quase o meio dia. Drogado, falando nada com nada e visivelmente com problemas motores.

PARTE 29 - NÃO AGUENTO MAIS

Mas o problema foi esse então? Esses são os tão falados efeitos colaterais dos ARV's? Antes fossem... antes fossem. Depois do segundo dia eles realmente começaram. Uma dor de cabeça contínua, sem trégua. Da mesma forma era aquela sensação de enjoo. Uma ânsia de vômito que nunca parava. Tremedeiras, eventualmente confusão. Sabe quando você está fazendo algo, para e pensa: "o que estou fazendo mesmo?". Como se não bastasse, eu ainda apresentei um pouco de diarreia... era só exagerar um pouco na comida.

O que eu podia fazer afinal? Eu sabia que eles durariam por volta de três meses no máximo. Sabia também que nem todos sentiam. Mas claro, fui abençoado com quase todos efeitos colaterais. Só não tive a reação alérgica na pele. No mais, veio tudo.

Depois de um mês começou a ficar insuportável. Eu não conseguia ficar acordado. Eu saia de casa para trabalhar, voltava e dormia. Todo e qualquer tempo vago era pra dormir. Só dormindo que tudo aliviava. Eu vivia na base de sal de fruta. Perdi muita massa muscular. Apenas maçã sentava sem voltar. Não conseguia mais treinar musculação, não tinha ânimo... Não tinha vontade de nada.

Nessa época por um curto período eu pensei em desistir. Um dia eu estava no meu quarto com minha irmã e tive uma crise. "Eu não aguento mais... Não quero mais isso", falei chorando. "Ninguém merece isso, não consigo sair da cama". Minha irmã me manteve calmo. Me fez lembrar que mais um curto tempo e eu provavelmente estaria melhor.

Sabe, foi um desabafo, eu precisava chorar um pouco. Esse início foi importante para o tratamento, justamente pelo fato de ser a pior etapa. Se você passa por ele, depois leva tudo com mais facilidade.

Nessa época eu me afastei dos amigos. Eu parei de me reunir com colegas. Acho que agora eles vão entender o motivo de todas as vezes que eu dizia "não posso ir". De quando eu ia em uma janta e ficava indo no banheiro de 10 em 10 minutos. Depois desta época eu tive trocar tudo em minha alimentação e até perfumes, sabores e cheiros me traziam aqueles enjoos novamente. Fiquei meses sem meu perfume favorito, sem beber Coca Zero, sem comer coisas que eu gosto.

Ainda hoje eu sinto o efeito do meu querido Efa. Basta eu tomar e não dormir. Não na mesma intensidade, é claro. Mas sabe de uma coisa? Hoje vejo que tudo valeu e vale a pena.

Eu ainda sigo vivo.

HIV/AIDS - Confissões de um soropositivoOnde histórias criam vida. Descubra agora