• CAPITÃ PAULADA.

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Um tiro no meio da testa da Amanda. Era a única coisa que poderia acontecer para ela parar por um minuto de buzinar no meu ouvido e parar de torrar meus pacovás. A moleca fala mais que mãe de médico recém-formado querendo aparecer em festa de família. Eu até entendo o lado da menina, Amanda sempre foi um desses espíritos livres, uma ave rara de asas longas que migra pelo mundo ao sabor do vento, mas lá no fundo era como uma caixa de Pandora. Por fora linda peça graciosa e delicada, rica em detalhes esculpida no mais puro ébano, uma boneca de olhos grandes e cativantes, com seus cabelos cacheados da cor de canela que deviam nascer lá no meio das caraminholas daquela cabeça cacheada.

Contudo bela e fatal como a caixa de Pandora, exuberante por fora mas se você deixasse escapar o que tem lá dentro. Amigo você ia ter encrenca da grossa. Depois de procrastinar bastante no meu juízo sobre as lamúrias da sua vida, ela começou explicar a história toda e as coisas começaram a se encaixar para mim.
Ela até teve um tre-le-le com o filho do Loremberg, porém era mais algo para se esquecer do que uma coisa para se eternizar com uma cerimônia. Contudo a menina era uma sabichona e sabia fazer contas.
O Zé ia ter um filho colorido só com a ideia da pimentinha dele descolar um casório, já o velho Loremberg, além de padrinho da Amanda foi o mentor dela na faculdade de direito e agradar o velhinho aquecia o coração da menina e por último e menos importante o Loremberg júnior era louco nela. Não foi difícil fazer essa conta Amanda, e o resultado sou eu e você no fuscão cruzando o nada.

Mas minha vida é um puta mar de rosas e a ladainha era pouco. Amanda trocou seu monólogo por uma chuva de pedidos de " para naquele posto que eu quero um sanduíche", mas eu não saí da minha caminha quente e ruidosa para gazetear por aí, eu quero despachar a pimentinha naquele maldito trem e finalmente degustar minha gelada por conta da casa.

Já estávamos viajando pela noite profunda e densa como o café de um escritor de meia idade que mora com a mãe. Nos encontrávamos em uma daquelas cidadezinhas bucólicas de casinhas brancas com jardins, o tipo de lugar irritante e feliz que a sua avó escolheu para morar depois que ficou viúva. Realmente não prestei atenção na placa com o nome da cidade, acho que era Buracópolis..

Não sou muito disso, mas acabei ficando com pena da pimentinha quando percebi que ela estava dormindo. Notei então que entre um deslizar e outro das luzes amarelas dos postes que acariciavam lentamente aquela face acanelada, que ela franzia o senho e balbuciava "sanduíche".
Sabia que não muito longe tinha o posto de umas doces senhoras que serviam um sanduíche de pernil digno dos deuses e de verdade o fuscão e eu precisávamos de uma bebida.

Não demorou muito para ver o letreiro gasto de luzes fracas e oscilantes do posto Mimosa. Realmente não vou nem me dar ao trabalho de destilar o que achei do nome. Até pelo fato de outros detalhes terem chamado minha atenção. Já era bem tarde para se ter movimento por aqui. Em Buracópolis tudo dorme cedo, entretanto música alta vinha do único carro parado no posto, um belíssimo e possante carro vermelho parado bem perto da porta da conveniência. A última vez que um carro vermelho potente desses parou no Mimosa o mecânico daqui teve uma ereção e um infarto.

Fora que vim me arrastando do final da rua para cá, isso levou 08 minutos e meio, muito tempo para quem tem pressa. E por Deus só alguém com muita pressa deixaria um carro daqueles meio aberto e com o motor ligado. A não ser que o carro não pertença a quem está dirigindo, ou que ele não vá pagar a gasosa.

A segurança local não era problema meu, mas sempre que eu passo por aqui as velhas me dão um conhaque e você não pode deixar nada de mal acontecer com quem te dá conhaque. Parei o fusca um pouco atrás do carro suspeito, acordei Amanda delicadamente com um tapa na testa e expliquei a situação, deixei bem claro que ela não deveria sair do carro.

Como um velho predador me mesclei as sombras igual a um animal soturno, me coloquei entre um enorme extintor e uma fresta da vitrine onde pude ver o calhorda ameaçar as senhorinhas com uma faca ensebada. A mais corôa parecia ter levado uma bordoada na fuça. Sujeitinho mequetrefe já perdeu minha simpatia.

A situação era das piores e ia ter que ser rápido e discreto. Arremessei com toda a força o extintor contra a vitrine bem na direção da cabeça do cidadão, os cálculos foram bons mas a idade não ajudou e acabei acertando o joelho do trouxa. Entrei pela porta que "abri" e só tive um segundo para calcular os próximos segundos.

Não dava para pegar o oitão, já tinha dado uma foda no joelho do pudim de cana e ele estava sem firmeza na perna direita, a faca obrigava a ele entrar no corpo-a-corpo comigo. Foi fácil decidir a manobra, deixei ele vir como um touro, torço o corpo e a faca passa pela lateral do sobretudo, dou um toque com o pé na perna fudida e uso a velocidade da besta pra varejar ele do lado de fora entre os carros.

Tudo se executava com perfeição, até Amanda achar o meu porrete embaixo do banco e me sair do fusca como um tornado que passou por cima da fábrica de porretes. Era um vendaval de cacetadas no sujeito, na minha cabeça, na janela do fusca e em puto de um gato que passou na hora. Foi providencial, mas o sujeito conseguiu se tacar dentro do carro entre uma amaciada e outra e se escafedeu.

Depois de achar o meu norte que eu tinha perdido entre as bordoadas arranquei aquela arma de destruição em massa das mãos fatais da pimentinha. E tive que ser enérgico.

- Amanda, nunca mais em uma situação dessas faça o que você fez, você é uma menina miúda.- O brilho saiu dos olhos dela mesmo antes de que eu terminasse, mas eu terminei.

- Você tão miúda assim tem que segurar o porrete com as mãos juntas e aproveitar o balanço para a bordoada doer na alma. - Então demonstrei como ela devia fazer.

A moleca ficou feliz como marinheiro que chega de viagem e esbarra com uma viúva nas docas. Ninguém nunca apoiaria a Amanda a entrar em uma briga, mas essa garota tem sangue nos olhos e uma qualidade dessas tem que ser incentivada.

Toda cheia de si Amanda foi para dentro posto ajudar as senhoras, de acordo com um livro que eu li, a deusa interior dela estava dando pulinhos. A sapeca ajudou as velhinhas, limpou a loja, preparou seu sanduíche enquanto me contava sua paixão por pão caseiro torrado na chapa e ainda preparou meu conhaque duplo. Filha de dono de bar né.

Ganhamos farnel das senhorinhas e uma abastecida no fuscão, contudo a janela do motorista foi pras cucuias, e como eu não podia deixar minha salvadora com frio dei meu sobretudo para ela colocar e tirar um cochilo até a próxima cidade.

Voltamos ao nosso caminho, agora em direção ao amanhecer como dois Ícaros sem saber o que nos esperava, voando em direção ao sol que nascia dourado no horizonte de Buracópolis.

Voltamos ao nosso caminho, agora em direção ao amanhecer como dois Ícaros sem saber o que nos esperava, voando em direção ao sol que nascia dourado no horizonte de Buracópolis

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Olá meus acinzentados leitores.

Resolvi terminar a segunda parte com os avatares da Pimentinha mais ardida, do Zé e do Detetive Rick para dar um pouco de cor para eles.

Muito obrigado pela participação de todos aqui comentando e dando vida a esse projeto.

Até o final da semana nós teremos a conclusão das desventuras da viagem de Amanda e Rick.

A CADEIRA B-27 / Arquivos Noir (Completo)Where stories live. Discover now