Nada como encher um vagabundo de bordoada na cabeça para aproximar duas pessoas. A viagem com Amanda ganhou um outro tom depois do ocorrido, ela trocou a ladainha dos moldes "não queria ir" e "sou muito nova para me comprometer", e entrou a narrativa empolgante das suas peripécias na faculdade e traquinagens infantis.Me esclareceu que a bendita vez que o bar do Zé pegou fogo no inverno foi ela tentando montar um rádio amador por que estava entediada e que a tal história do cara da faculdade que muito infeliz não aceitou o convite da pimentinha para tomar umas é teve a pachorra de falar que ela não fazia o tipo dele, muito mirrada ele disse. Engoliu o Vade Mecum dela e ainda ganhou de brinde quatro dentes de porcelana e ficou arrotando leis por uma semana.
Acabei entrando na prosa e fui contando para Amanda alguns dos meus casos mais notórios e coisas da época da polícia, por fim acabei passando para ela algumas dicas de como não cair nos golpes dos delegados e detetives para enrolar os advogados e promotores. A menina era uma pimenta, mas era legal, não queria ver ela tomando volta dos paspalhões da polícia.
Aquela conversa mole toda foi boa e nociva, distraiu meus reflexos de guaxinim. Parei de prestar atenção em tudo e não percebi o possante carro vermelho que colou em nós na estrada deserta, o valentão do posto achou a gente em uma estrada sem testemunhas e em um carro bem menos potente, éramos presas fáceis como a avó que entrou com o neto na loja de brinquedos no dia do 13°.
Com um sorriso asqueroso ele levemente virou seu volante arremessando seu monstro de aço rubro contra meu pobre fuscão azul, mal pude manter ele na estrada, Amanda voou para o banco traseiro se misturando com suas malas e minhas coleção de multas de trânsito. Mesmo antes de conseguir raciocinar levei a segunda trombada, Essa bem mais forte, fui com o carro me arrastando pela sarjeta como um jovem desiludido que procura o sentido da vida nas margens de uma estrada.
Para piorar tudo o pouco raciocínio que eu tinha precisa dividir entre dois maníacos, o que tentava me matar na estrada e a que no banco de trás parecia querer arrumar as malas em meio ao apocalipse. Porém, a pimentinha era cheia dos sortilégios e antes mesmo que eu pudesse falar ou fazer ela se atirou ao banco do carona com uma de suas mochilas, sem pensar muito colocou metade daquele corpinho frágil para fora do carro. Aguardo com a gana de soldado o momento que o maníaco deu o terceiro toque no fuscão e utilizou do momento do impacto para varejar a mochila no para-brisas do babaca.
CATAPIMBA! Para minha surpresa a pequena mochila explodiu o para-brisas como uma bomba, o espertalhão nem fazia ideia do que o atingiu, voou para fora da estrada se cravando entre um mar de árvores e arbustos. Só a uns 300mts. depois consegui indagar a Amanda.
- Mas que porra de calçolas pesadas são essas que você carrega GAROTA?
Vi algo que parecia difícil, mas Amanda ficou meio que sem jeito, ruborizada até, e me respondeu.
- bem. Na verdade, naquela mochila só tinham pedras grandes sabe, o "meu noivo" quando eu chegar que vai carregar minhas coisas e já que o cara quer tanto casar comigo. Moleza ele não vai ter. - Deu de ombros e sorriu seu sorriso mais sem vergonha.
Amanda você realmente é um caso sério e eu não podia deixar a filha de uma amigo meu entrar em um casamento com essa postura infantil. Francamente! pedras em uma mochila é coisa de amador, contei para ela o que a minha primeira esposa fazia comigo. Ratoeira no pote de biscoito, pimenta "El Satan" na janta do parceiro e acetona no uísque do patrão isso sim é aprontar com um marido. Deu ate uma saudade da Isabel, espero que ela ainda esteja presa.
Paramos em um posto mais a frente e enquanto o matuto local ajeitava um pouco as avarias do fuscão comprei uma mochila nova para Amanda e fomos para uma parte baixa da estrada catar umas pedras pesadas para encher a mochilinha. No meio da explicação da Amanda sobre como fazer um bom pão caseiro eu estava com um olho no padre e outro na missa e percebi que lá na parte alta passou um vulto vermelho com som de motor potente bem avariado, nosso amigo partia para a cidade de prata como uma flecha apache em chamas procurando o traseiro de um cowboy.
Já não tinha mais dúvidas, a coisa ia ficar feia, mas a frente, pois esse maníaco estava na nossa intenção. Pedi que Amanda ficasse bem ali e me dirigi ao fuscão, por baixo do banco traseiro eu deixava o presente de um velho amigo meu inglês, uma velha Walther PPK era uma pistola pequena e discreta, coisa de inglês.
Como que por um milagre a pimentinha me esperou onde mandei, surpresa mesmo foi a dela quando disse que a pistola era para ela. A menina era advogada, queria ser promotora e adorava se meter em confusão. Ela precisava de uma arma em fato. Como a mesma paciência se um tio caipira que ensina a sobrinha a pescar sem isca, eu me pus a ensinar o básico da alça e maça de mira, recarga e disparo para a menina. Ela e aquela arma nasceram uma para a outra, as garrafas do dono do posto que o digam.Esperei um pouco mais para o final da tarde para colocar a cara na estrada, a pequena comprou uns pãezinhos caseiros da esposa do velho do posto, já eu comprei uma garrafa de vermute até por que logo colocaria a pimentinha do trem de prata e despedidas me deixam emotivo, precisava do vermute para me deixar um pouco SECO por dentro. No resto do trajeto Amanda falou pouco. Ela basicamente ficou cantarolando uma música, uma tal de Skyfall de uma moça chamada Adelaide eu acho. Ela disse que a música era a minha cara, de verdade eu tenho que me olhar mais no espelho.
Em menos de Quarentena minutos chegamos a Cidade de Prata, o lugar todo era cenográfico, se os jardins suspensos tivessem uma área gourmet seria esta cidadela. Por inteira turística, quando fundada era uma cidade que girava em torno da siderúrgica que fabricava trens para o país inteiro, mas depois da falência da fábrica quase virou uma cidade fantasma até que os moradores compraram a massa falida restauraram um elefante branco e o transformaram em uma ode ao luxo e começaram a cobrar os tubos pela passagem. Uma história de sucesso.
Em uma tentativa de me desculpar com ele, parei o fuscão bem escondido em uma sombra aconchegante é também não podia deixar ele muito a vista sem a janela. Amanda quis ficar na praça é tomar um sorvete, já eu fui até a padaria faraônica que já se escondia sob a sombra do banco da cidade, pois, em uma cidade como essa a catedral local tem gerente e não padre e o maior prédio é o banco e ao final da tarde ele deitava sua sombra sobre tudo como a mão pegajosa de um marido ciumento.
Naquele panteão de broas e queijos me perdi escolhendo alguns frios para Amanda rechear seus Pães caseiros, quando por fim me sentei para pedir um café percebi o quão estava moído, mais quebrado que aposentado de ferrovia que casa com a enfermeira de dezoito aninhos do posto de saúde. Me larguei quase que de uma forma simbiótica com a confortável cadeira de madeira clara polida, degustei meu expresso como se não houvesse amanhã na dei ao luxo de ler um jornal fresquinho que trazia em sua capa que o milionário dono da fábrica de sapatos Cavendish estava se casando com um pitel, nesse momento me refastelei com o fato de estar bem longe de lá e não ser mais da polícia e ter que ir ou trabalhar nesse tipo de evento municipal, esse pepino não era problema meu.
Todavia minha vida é aquele já conhecido mar de rosas e como uma das trombetas do apocalipse o alarme do banco de prata soou como a alta sinfonia da alma de seus devedores, um tremendo barata voa do lado de fora. Meus nervos de aço entraram em frangalhos, meu pequeno para-raios de catástrofe estava lá fora com seu sorvete de pistache, pela minha Santa Achirupita eu sentia nos ossos Amanda enfiada até alma.
Como escoteira fugindo de leiteiro tarado em rua deserta, corri como um velocista olímpico. Esquadrinhei cada centímetro da rua e da praça procurando os cachinhos da confusão ou um porrete giratório sem êxito, me sobrava o fuscão. Antes mesmo de me aproximar dele percebi um rastro de notas e balas no chão, quando olhei para dentro do fuscão escondido no banco traseiro por baixo do meu sobretudo estava um amontoado de cachinhos trêmulos, com muita calma eu perguntei.
- AMANDA! MAS QUE PORRA VOCÊ ARRANJOU AGORA!
Ela levantou o rosto que se encontrava baço e pálido como uma lápide e sussurrou para mim enquanto eu a ajudava a sair daquela situação vexatória.
- Fala baixo! Rick, eu acho que assaltei um banco sem querer!
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A CADEIRA B-27 / Arquivos Noir (Completo)
Short Story• A CADEIRA B-27 Notória ocupante da cadeira de #89 no Ranking de conto. O conto que a Batata Crítica amou e deu 99%. Só você não veio aqui conhecer a pimentinha mais ardida. 🕵SINOPSE🕵 Dentro do infindável número de casos do Detetive Rick, A Cade...