SEM CHANCES

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A porta se fecha num estampido seco, contemplada pelos olhos tristes e raivosos de uma garota que, postada inerte no meio da sala, observa a saída daquele que, até cinco minutos antes era o grande amor da sua vida.

Ela tenta entender como a vida lhe pôde ser tão cruel, vendando seus olhos para a verdade nua e crua por tanto tempo, como lhe permitiu amar por tanto tempo uma pessoa que se mostrou indigna do mais insignificante dos seus sentimentos, do simples murmurar de sua voz? Os anos perdidos sonhando como seriam os seguintes ao lado daquele que agora merecia apenas a danação eterna, caindo de círculo em círculo do inferno, até ser esquecido para sempre.

Mas como esquecer isso? Como esquecer tal humilhação? Quem disse que o ser humano é um objeto inanimado e reprogramável? Não nascemos com essa função, de simplesmente deletar pessoas e acontecimentos. Deus, quando nos criou, provavelmente para se divertir conosco, criou o amor, apenas para tomá-lo de nós e, para completar a tragédia, simplesmente não nos possibilitou esquecê-lo.

A dor que vem de dentro do teu peito é algo insuportável, como se todos os seus órgãos internos começassem a se comprimir ao mesmo tento, apertando seu coração, impedindo a sua respiração, a sua circulação. Sua vontade era abrir seu peito com as próprias mãos para ver se a sensação passava.

Virou-se, dando as costas para a porta e caminhou em passos lentos e moribundos até seu quarto, deixando-se cair na cama, com a face voltada para o travesseiro, que agarrou com as duas mãos com força, dando início ao choro represado e desesperado, tirando-lhe o fôlego e os sentidos.

Não entendia como isso tinha acontecido. Pior, não entendi o motivo de ter acontecido. Sempre fora uma namorada exemplar, carinhosa na medida certa, mas sem deixar a possessão e o ciúmes prevalecer e sufocar o relacionamento. E era dessa forma que era paga? Com escárnio e traição?

Chorou por quase meia hora até que, esgotada, deixou-se vencer pelo cansaço e dormiu. Não chegou a dormir por uma hora, mas foram instantes em que se desligou da dor e, felizmente, recuperou parte de sua sobriedade. Claro que permanecia triste, mas já estava menos entorpecida.

Tentava agora era entender o que tinha levado a isso. Não era de a sua personalidade ser uma pessoa desconfiada, mas naquela manhã, quando acordara mais cedo que ele, pegara o celular dele para saber que horas eram e viu que tinha uma mensagem. Uma mensagem de uma menina que ela não conhecia. Então, o diabinho do ciúmes atacou e ela não resistira, abriu o celular e leu a mensagem:

"Está tudo certo hoje à tarde sim. Passa aqui por volta das 3. Beijos. Taís"

Parecia a marcação de um encontro. Todas as vezes que ele se encontrava com os amigos, ela sabia que ele a avisava antes. Além disso, ela conhecia todos os amigos, e principalmente, todas as amigas, pelo menos de nome, e dessa piranha ela nunca tinha ouvido falar. Nunca, jamais, em tempo algum.

Na caixa de mensagens recebidas não havia nenhuma. Ele tinha apagado todas as pistas, pensava ela. Na caixa de mensagens enviadas, havia uma, para a mesma menina. Com os dedos trêmulos e o coração em disparada, passou a lê-la:

"Taís, posso passar aí amanhã à tarde? A Camila vai sair com a mãe dela e você sabe que ela não pode desconfiar. Beijos"

Camila era ela, a traída, a enganada, aquela que não poderia desconfiar e a quem ele não precisaria dar desculpas para encontrar a vagabunda. Não conseguiu se segurar e, derrubando o celular no chão, começou a chorar, sentada na beira da cama.

Ele acordou, a abraçou, querendo saber o que tinha acontecido, mas ela não aceitou o abraço, empurrando-o e levantando bruscamente. Então, restaurando a fôlego, passou a disparar uma série de adjetivos ofensivos, para aparente incompreensão dele. Falou que ia ao banheiro e que, quando saísse, queria ele fora dali, fora da casa dela, fora da vida dela.

Quando saiu, ele estava já trocado, mas queria conversar, queria saber o que acontecera, mas ela se recusava a conversar. Ofendeu-o novamente, ao ponto que quem se irritou foi ele, saindo pela porta de entrada num mix de irritação e incompreensão.

Canalha. Filho da puta. Traidor. Cachorro. Vagabundo. Cretino. Mau caráter. Imbecil. Desgraçado.

Levantou-se da cama, finalmente, e viu que ele tinha esquecido a carteira, provavelmente na pressa. Instintivamente, pegou-a para procurar não sabia o que. Dinheiro, documentos, cartões, mas uma folhinha de papel amarelo dobrado chamou a atenção. Era um orçamento de uma joalheria. Um pedido de um par de alianças. Ouro 18 quilates, uma pedra de brilhante e uma delas. A data de entrega delas era hoje. Em nome dele e como vendedora uma tal de Taís.

Taís era a vaca que o tinha mandado a mensagem. Taís era a vendedora de um par de alianças de casamento. As alianças que ficariam prontas hoje. Então, ele iria se encontrar com ela para pegar as alianças de casamento.

Alianças de casamento dos dois. Por isso que ela, Camila, não poderia saber de nada. Era pra ser uma surpresa. Uma boa surpresa. E ela estragou tudo.

Desesperada, começou a chorar novamente, dessa vez de raiva dela e de vergonha. Tinha criado um problema gigante por causa de um monstro que ela criara. Precisava agora ligar para ele e pedir desculpas.

Pegou o telefone e discou o número do seu celular. Ele não atendeu. Ligou mais uma vez, mais duas, mais três, mas sete, e nada dele atender.

Estranhou isso, vez que ele sempre andava com o celular. Estava começando a ficar desesperadamente angustiada, pois precisava falar com ele, precisava pedir desculpas, pedir perdão.

Deixou recado, mandou mensagem de texto, e ficou sentada, no sofá da sala, estática, com o olhar voltado para o seu celular, tremulamente seguro pelas suas duas mãos, à espera de um retorno.

Cerca de cinco minutos depois, o mesmo tocou. Olhou para o número, viu que era o dele. Quase deixou o aparelho cair na afobação de atender, mas sentiu um alívio, pois poderia enfim dizer o discurso que tinha formulado durante essa espera que lhe parecera durar uma eternidade.

Iria começar pedindo simplesmente desculpas. Contaria toda a verdade, falaria da mensagem que lera, do ódio que ela sentira por se achar traída. Mas depois falaria que encontrara sua carteira, que vira o papel das alianças. Pediria desculpas novamente, pediria um milhão de vezes, diria que ela que não era digna de namorá-lo, mas pediria uma segunda chance. Imploraria por isso.

Disse um "alô" gaguejado, mas do outro lado da linha não era a sua voz, e sim uma que ela não conhecia.

- Você conhece o dono desse celular?

Como assim? Não entendera nada. Após uns segundos estática, respondeu:

- Claro, ele é do Tomás, meu namorado. Quem é você? Cadê ele? – começou a ficar desesperada.

- É que ele estava sem documento algum... – antes que ele pudesse dizer alguma coisa mais, ela entrou em pânico.

- Cadê ele? Deixa eu falar com ele? Quem é você?

- Calma moça! Meu nome é Sérgio, eu sou bombeiro. Seu namorado sofreu um acidente, ele devia estar em alta velocidade e o seu carro perdeu o controle, vindo a se chocar contra um muro. Nós o tiramos do carro, mas ele não tinha nenhum documento que o identificasse, apenas esse celular com chamadas não atendidas do seu número, por isso retornamos.

A voz quase não saia mais. Precisou se esforçar para perguntar como ele estava.

- Infelizmente não houve nada que pudéssemos fazer, ele veio a falecer. Será que a senhora poderia comparece ao Hospital Municipal para ajudar na identificação do corpo. Alô? Alô? A senhora está aí? Pode me ouvir?

Mas ela não podia. O celular jazia no chão, perto dos seus pés e, nesse momento, ela estava sentada no sofá, mas sua mente estava em algum lugar, muito longe daí. Num lugar onde ela não poderia se desculpar com ele. 

SEM O SENTIDO DA VIDAOnde histórias criam vida. Descubra agora