Eu sinto saudades de outros tempos. Não, eu não sou daqueles saudosistas que ficam dizendo que no tempo deles as coisas era melhores, que aquilo que era vida, entre outras baboseiras. Primeiro porque eu ainda tenho pouco mais de trinta anos, e a tal minha época é agora e o máximo de nostalgia que poderia sentir são de coisas da minha infância e adolescência que, sinceramente, sinto muito pouco. Mas, principalmente, eu sinto falta é da minha vida, que eu costumava ter, e que não consigo mais, faz tempo.
Certo, nunca tive uma vida incrível e maravilhosa, daquelas dignas de serem retratadas no cinema ou, ao menos, numa biografia literária, mas, pelo menos a minha vida era tranquila, dentro dos altos e baixos que todos costumam ter. Os bons dias intercalavam com os maus e tudo ia sendo encaminhado.
Mas, pelo menos eu dormia a noite, não precisava me entupir de remédios ou de bebida pra relaxar e esquecer os problemas do dia a dia, não ficava o tempo todo esperando o pior, a cada toque de telefone ou campainha, ou a cada email recebido, não precisava ficar me esgueirando pelos lugares, com medo ou vergonha de encontrar algumas pessoas, não precisava ficar pensando o tempo inteiro em como eu iria fazer para me livrar dos problemas, ou pelo menos postergá-los para algum dia o qual eu também não os conseguiria resolvê-los.
Não precisava encarar olhares de raiva e pena, não precisava manter um sorriso no rosto o tempo todo, como se nada me afetasse ou me afligisse, ao tempo que minhas entranhas se contorciam de ódio e fúria, não me achava incompetente, inútil e fracassado, onde pelo menos boa parte das coisas que eu fazia davam certo, não tudo dava errado, como é hoje.
Os dias eram azuis, e não apenas cinza. Os percalços existiam para serem superados e, depois, a satisfação do resultado podia ser comemorado sem o gosto amargo da instantaneidade, da certeza que a guerra nunca seria vencida, nem ao menos a batalha. Os sorrisos não eram amarelos nem os olhos eram vermelhos.
Cansei. É preciso dar um basta nisto. Tentei de diversas formas, mas fracassei em todas, só que agora tenho certeza que não fracassarei. Estou a um passo de resolver todos os meus problemas. Literalmente.
Porém, sinto que estarei apenas postergando mais uma vez um problema. Não ligo. Estou cansado. Desisti de esconder minhas dores, de parecer forte. Porque eu não sou forte, sou um covarde. Mas estou a um passo de resolver isso e postergar mais uma vez. Literalmente.
Sempre ouvi falar que não há bem que não termine nem mal que pra sempre perdure, ou alguma variação de palavras com o mesmo significado, mas percebi que algumas vezes nós precisamos dar o primeiro passo para esse mal acabar. Literalmente.
E resolvi dá-lo. O primeiro passo. O último passo. O único passo. Em direção à nada, mas pelo menos a um nada mais confortável que aquele que estou vivendo. Pelo menos eu espero, pois agora é tarde. Não tem mais volta. O último passo foi dado. Literalmente.
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SEM O SENTIDO DA VIDA
Short StoryOito contos diversos retratando situações reais - e muitas vezes amargas - do nosso cotidiano FELIZ NATAL LÁGRIMAS SUJAS SEM CHANCES 11 SORRISOS AMARELOS E OLHOS VERMELHOS A REDENÇÃO O TAL LADO NEGRO DA FORÇA METRÔ QUAL É O MEU PREÇO?