QUAL É O MEU PREÇO?

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Eram três e meia quando as luzes se apagaram. Em silêncio, desplugou sua guitarra, guardou-a com sua pedaleira e os cabos nas embalagens e, em menos de cinco minutos, já estava fora dali. Fora o tempo de pegar uma garrafa de água, colocar suas coisas no compartimento de bagagens do banco, ir até a última fileira, sentar, colocar seus fones de ouvido e fechar os olhos. Ainda teria pelo menos duas horas de viagem até chegar em casa, quando já estará claro e, por isso, quer tirar um cochilo enquanto podia.

Esta era sua rotina, pelo menos três vezes por semana: pegar um ônibus no final da tarde, rodar algumas horas, passar rapidamente o som, tocar para algumas milhares de pessoas por umas duas horas, e então empacotar tudo e voltar para casa. Já estava nesta vida há uns três ou quatro anos, mas era longe de ser o emprego dos sonhos, era apenas o que pagava bem naquilo que ele sabia fazer de melhor. Ou melhor, na única coisa que ele realmente conseguia fazer bem.

Apesar da sua paixão por tocar guitarra, era difícil se empolgar tocando, noite após noite, ano após ano, algo que ele não gostava, e que depois deste tempo passou a odiar. O povo era legal, os caras que os contrataram como parte da banda de apoio eram distantes, raramente iam no mesmo ônibus que eles, mas não tinha nada a reclamar: pagavam bem por cada show realizado, e sempre a vista, o que lhe rendia uma grana razoável, bem melhor do que aquela que ele recebia quando era um professor de música em sua cidade natal. Certo, ele abriu mão praticamente de toda sua vida particular e social, mas era uma escolha.

Mas, não podia dizer que era uma escolha que o deixava feliz, apesar de se esforçar para encarar tal como uma mera profissão, pois imaginava que um metalúrgico, um bancário ou um motorista de ônibus também não deviam ser completamente realizados com suas carreiras e o dia a dia delas.

Sonhava com o dia que conseguiria fazer aquilo que gosta, mas não entendia porque até agora tinha dado tudo errado. Ele era competente e criativo, e já tinha composto e gravado, amadoramente, pelo menos umas 20 canções e, todos que ele as mostrava, diziam ter muito potencial. Mas, ficava sempre por isso, arquivadas no seu computador, sem qualquer perspectiva em curto prazo de saírem de lá.

Fora isto, se preocupava com o tempo, pois iria completar 30 anos em poucos meses e a pressão da idade começa a se fazer presente. Não que se achasse muito velho, mas qual músico tinha feito sucesso após os 30 anos? Mesmos a dupla para o qual ele tocava era bem mais nova que ele, e já ganhava uma bolada. E com ele, nada.

Via outros companheiros de profissão, mais velhos, que com o tempo se acomodaram, e agora mantinham ou uma realidade igual a sua, ou davam aula para moleques a troco de uma miséria. E ele não queria ficar assim, mas tinha medo, muito medo, de ficar.

E pensando nisto, acabou dormindo. Durante o sono, sonhou com uma história muito louca, em que ele fazia sucesso, que tocava para milhares, em estádios lotados, mas que ao seu lado tinha uma criatura vermelha, de chifres e rabos, como seu empresário. Estava no meio do sonho quando foi acordado:

- Cara, chegamos. – era um dos roadies da banda avisando que eles tinham chegado ao destino final. O dia estava clareando já, e tudo que ele queria agora era a sua casa, o seu banho e a sua cama.

- Obrigado para todos, foi mais uma vez muito bom. – dizia a frente do corredor o empresário – Lembrando apenas que quinta-feira temos outro show e, portanto, quatro da tarde aqui. Bom descanso nestes dias. – E, a medida que as pessoas iam saindo, ele entregava um envelope para cada. Era o pagamento por este show.

Pegou o seu, agradeceu, pegou as suas coisas, colocou em seu velho carro que estava estacionado ali perto. Era uma viagem curta, não mais do que dez minutos, para a sua casa.

SEM O SENTIDO DA VIDAOnde histórias criam vida. Descubra agora