15. Quando um homem ama uma mulher

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Se a história de Milton Schmidt fosse um filme ou um livro é bem provável que naquele exato momento que viu Luz Aguiar uma voz ritmada e onisciente surgisse do nada cantando alguma coisa romântica como trilha sonora. Mas como não era nada disso, a ele coube ser tomado pelas sensações físicas e biológicas provocadas pelo arrebatamento imediato. A pele corara um bocado e um calor para além da escaldante temperatura subia-lhe pelos dedões do pé até aquecer as bochechas pouco protuberantes. Milton sentia também a secura na garganta e a ausência das palavras. Ele tinha sido fisgado por um anzol impossível de escapar.

Entretanto naquele rápido cruzar de personagens ele bem descobriria logo que ela sequer percebera-o. Estava preocupada com uma criança que sumira há dias na comunidade, entre outras coisas, e certamente não teria como enxergar aquele cara estranho ao lugar, meio mirrado até, e de feições impossíveis de esconder o quão deslocado ele estava.

Mas Milton fora atingido de tal maneira que não desistiria da paixão, muito menos daquela linda garota que quebrou a viela e desceu sacolejando os cabelos úmidos tão dona de si, que mais parecia uma daquelas princesas de desenhos da Disney. Não, Milton precisava dela, urgia por encontrá-la, por fazê-la vê-lo. Por mostrar a ele que ali estava um homem capaz de fazer qualquer coisa que ela pedisse. Milton Schmidt deixar-se-ia escravizar se assim ela desejasse.

Por isso naquela sexta-feira tudo nos pensamentos e nas ações de Milton Schmidt se concentrara em encontrar ou descobrir algo sobre aquela jovem mulher de uma cor acobreada e olhos violentamente verde-água.

Entre bares, casas, uma pergunta aqui outra ali, ele sequer percebera que o dia fora substituído pela noite e suas esperanças de encontrar a mulher que lhe roubara o coração se desvanecia cada vez mais. Ainda assim ele insistiu até por volta das dez da noite sem qualquer sucesso e sem sequer conseguir descobrir o nome da garota. Naquela sexta-feira deu a batalha por perdida, mas não a guerra, subiria até seu casebre, mas estava decidido que tiraria o sábado para procurá-la novamente. Ah, o sábado, o grande sábado, em seus pensamentos tudo convergia para aquele ser o maior e o melhor dia de sua vida. Recordou-se que ficaria milionário no sábado, e por breves segundos o bilhete voltou-lhe a queimar mais que a paixão. Tinha certeza que aquele que seria o seu dia só poderia reservar-lhe também bons ventos para os assuntos do coração. Mais do que esperança, tinha fé que no sábado tudo se resolveria e enfim encontraria aquela bela mulher e declarar-se a ela. Só por isso ele criou coragem de abandonar as buscas por aquele dia.

Então, como se sua fé realmente tivesse algo a ver com aquilo, quis o destino colocá-los frente a frente, e quando ele retirava-se para casa ao passar por uma animada roda de samba, avistou-a. O corpo sinuante embalado pelo ritmo dos pandeiros. Com a confiança que só os milionários e os inconsequentes possuem, sem tomar qualquer cuidado ou se precaver de possíveis hostilidades, Milton Schmidt abriu caminho entre os sambistas até postar-se ao lado da amada. Nisso os pandeiros já tinham silenciado e cadeiras tinham sido arrastadas. Mas ele não percebera nada.

"Eu te amo, mulher" ele disse pela primeira vez na vida. E naquele miasma de tempo em que os olhos se encontraram ele delicadamente envolveu-a pela cintura e na sequência invadiu sua boca com um beijo cinematográfico. E nesse momento seja pelo arrebatamento da surpresa seja por um ataque terrorista à verossimilhança, ela correspondeu ao beijo. Entregou-se a ele e também devolveu muito mais. Naquele retribuir, Milton Schmidt teve certeza de que ela amava-o também. Nada poderia dar errado.

Naquela madrugada eles se amaram no casebre do alto do morro. No amanhecer do sábado amaram-se também. E amaram-se um pouco antes do almoço e depois também. Exaustos amaram-se ainda no meio da tarde, e quando já voltava a anoitecer e quando Milton quase esquecia-se totalmente do bilhete de loteria, entregue totalmente ao amor, ele falou tudo. Sua vida, seus pequenos amores e até mesmo seu novo projeto que torná-lo-ia um homem rico. Com os dois ainda nus e estirados sobre aquele velho e pulguento colchão ele fez o convite ainda sem estranhar o recente silêncio daquela garota-jovem-mulher eloquente.

"Quero que você faça parte disso. Que seja a rainha desse meu reino que está por ser erguido. Eu te amo".

Mas para compreender a reação irada e tempestiva dela, seria preciso conhecer muito mais daquela jovem e tinhosa luz, Luz Aguiar.

Yellow BananasWhere stories live. Discover now