Destinos Breves

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O inverno de 1997 tinha chegado mas isso não me impedia de sair a noite. Depois de ter tomado um delicioso café na Delicta para me aquecer do frio, sai andando sem rumo por qualquer esquina. Observava as pessoas subindo e descendo o meio fio das calçadas e notei o quanto tudo é banal. O tempo, as pessoas, até as idiossincrasias. Estava em um transe profundo que nem notara que cantava em voz engolida e baixa a música que eu mais gostava e muito menos que um garoto que aparentava ter minha idade começara a caminhar do meu lado. Imediatamente parei de cantar e andar e fiquei de frente para ele.

-Quem é você e por que está me seguindo?

-Calma, é que eu gosto muito da música que está cantando.

-Mas isso não é motivo pra me seguir, levei um baita susto!- Falei levando as duas mãos ao lado esquerdo do peito e arregalando os olhos.- Qualquer pessoa pensaria que é um assaltante!

Ele riu deixando suas covinhas a mostra.

-Me desculpe, moça! Deixe-me apresentar, sou o Augusto Franklin. 

-Desculpado, e meu nome é Áurea Merlia.

-O que fazes andando sem rumo?

-Desde quando minha vida é da sua conta?

-Calma moça, quer dizer, Áurea. Só estou sem rumo e queria uma companhia por alguns breves momentos.

-Por mim tudo bem, mas se o senhor for um assaltante ou qualquer coisa do tipo, saiba que tenho seis anos de experiência em judô e posso fazer picadinho de você. E voltando ao assunto, estou sem rumo sim, e eu quero te acompanhar.

-Ótimo! Já que ambos estão rumo, poderíamos nos sentar naquela pracinha que fica em frente ao mar, conversamos algumas bobeiras por alguns minutos e depois vamos embora e fingimos que nunca nos encontramos.

-Por mim tudo bem!- Sorri para ele e começamos a andar em sincronia aos banquinhos. Os coqueiros dançavam em sincronia com o vento debaixo do manto negro da noite gélida e não podia ter nada mais estranho falar com um estranho com se fosse meu amigo e que é tão estranho quanto eu-. 

Finalmente chegamos ao banquinhos e sentamos lado a lado contemplando a lua.

-Já que somos meros desconhecidos, qual e o seu maior medo?-Ele falou-Acredita em destino?

-Meu maior medo é não ter destinos, por isso ando por aí a procura deles e por incrível que pareça, acho que encontrei um hoje, porém é breve.- Sorri de lado e ele também.

-Todos nós somos destinos que estão destinados a encontrarem outros destinos. Alguns podem ser breves e outros podem durar uma vida inteira, porém não há diferença entre eles, pois mesmo durando pouco ou muito tempo, passam em um piscar de olhos. Passam em um piscar de olhos porque a banalidade nos cega e faz com que passemos pela vida sem termos a plena consciência do nosso pequeno e breve infinito.

-Sei lá, ultimamente estou cega de banalidades. Minhas idiossincrasias não parecem mais tão minhas, meu tempo não parece meu, não vejo mais graça em nada. Acho que me perdi no tempo.- suspirei e ele passou a me fitar-Talvez eu não tenha nascido no tempo certo- parei para contemplar algo inexistente no horizonte escuro.

-Sabe? Você deve fazer com que suas idiossincrasias sejam suas, que seu tempo seja seu.  Há tempos diferentes para todas as pessoas, mesmo todas elas estando no presente. Por isso faça seu próprio tempo, faça tudo no seu tempo e valorize o seu tempo. Quanto as idiossincrasias, seja apenas você mesmo, nunca deixe que sua personalidade morra, nunca se deixe virar uma banalidade ambulante. 

Ele deu uma longa pausa para ficarmos em silêncio para escutar a melodia do mar. Deitei minha cabeça em seu ombro e ficamos assim por um longo tempo, aproveitando nosso pequeno tempo. O barulho das ondas se tornou a trilha sonora da lua e o vento fazia sua coreografia batendo nos nossos cabelos, porém todo esse cenário foi interrompido ao me lembrar que tinha que voltar para casa. Tirei minha cabeça de seu ombro e me levantei.

-O nosso destino é breve, Augusto, e queira me perdoar, tenho outros destinos em mente agora.-Falei 

Ele se levantou também ficando de frente para mim e me deu um beijo na bochecha.

-Obrigado por me marcar com esse destino breve e inesperado, Áurea, espero estar na sua lista de novos destinos. A cada minuto somos destinos diferentes e quando partirmos, seremos um velho destino cumprido.- Dei também um beijo em sua bochecha.

-Infelizmente as pessoas são como as ondas do mar, vem e vão o tempo todo, mesmo quando queremos que elas fiquem. Espero realmente te ver novamente.- Ele apenas deu um sorriso fraco que eu retribuí. Nos demos as costas e fomos embora atrás de outros destinos.




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