1. Você acredita em fadas?

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Eu sei. Tenho que concordar que essa frase tem cara de ter saído do filme do Peter Pan ou algo assim, mas achei melhor começar desse jeito. Se você é como eu e acredita em fadas então não vai ter problema nenhum em continuar a leitura. Se você não acredita, eu aconselho desde já a parar de ler.

Quando eu era pequena minha mãe amava ler livros para mim. Depois que eu cresci mais e aprendi a ler sozinha passei a devorar vários e vários livros por mês. As minhas histórias favoritas sempre foram os contos de fadas e também me apaixonei por folclores e mitologias gregas, nórdicas, celtas e egípcias, como minha mãe. Do mesmo modo sempre amei a história da Cinderela, Branca de Neve, Bela Adormecida e das outras princesas. O que me deixava chateada era o fato de eu nunca ter lido a história de nenhuma princesa negra. Talvez seja porque, tipo, eu sou negra e quisesse encontrar alguma princesa com que eu me identificasse. Mas eu nunca tive problema em aceitar como sou. Tem gente que passa a vida lamentando por não ser loira.Eu não.

Me acho bonita como sou e o que mais gosto em mim são os meus longos cabelos encaracolados (são cachos tão grandes e abertos que quem não me conhece pensa logo que eles são obra de algum cabeleireiro). E também gosto muito dos meus olhos azuis, iguais aos da minha mãe. Negra de olhos claros? Uma raridade.

De qualquer forma, meu pai nunca gostou de contos de fadas. Dizia que enchia minha mente com bobagem e eu iria crescer uma moça com pensamentos infantis, blábláblá. Ele ficava para morrer quando eu jurava de pé junto que eu tinha visto fadas.

A primeira vez foi quando eu tinha seis anos e fomos visitar meus avós paternos na chácara deles. De noite nós ficamos do lado de fora da casa conversando sentados em bancos quando uma luzinha passou rente ao meu nariz.

_ Olha, uma fada!

Meus avós riram comentando algo como "que imaginação fértil dessa menina". Meu pai tratou de me corrigir logo:

_ É um vaga-lume, Nila.

Eu disse que não. O que eu vi tinha forma de uma pessoa, mas brilhava, a pele possuía brilho próprio. Era pequena como um vaga-lume, mas o corpo era de gente. Os cabelos eram muito escuros e estavam presos e vestia um longo vestido amarelo. Aquilo não era um vaga-lume nem aqui e nem na Indochina.

_ Está vendo, Belisa?_ disse meu pai para minha mãe._ Isso que dá ficar lendo aquele monte de besteiras para ela!

_ Michel, ela é apenas uma criança.

E os dois acabaram por falar de outras coisas com meus avós. Coisas de adultos. De como eu estava indo bem na escola, de como o papai estava indo bem no emprego e na reforma que estávamos fazendo na casa e esses assuntos chatos que os adultos não cansam de falar.

E se as histórias de fadas aborreciam meu pai que dirá quando eu disse ter visto uma sereia na praia de Santos, em São Paulo, no ano passado, quando fomos nas férias visitar a irmã do meu pai. Meu pai ficou daquele jeito. Queria me proibir de ler livros de contos de fadas.

_ Ela tem doze anos, Michel._ falou minha mãe sempre tentando amenizar as coisas.

_ E ano que vem vai ter treze. Depois vai ter catorze, quinze e dezesseis. E se não pararmos com isso agora ela vai crescer uma adulta vendo o pequeno polegar e Pinóquio em todos os lados!

Em geral o meu pai é legal. Ele ama mimar a minha mãe e sempre traz doces para ela e para mim quando chega do trabalho. Ele só perde a paciência quando eu venho com "sapos que viram príncipes e sapatinhos de cristal". Ele é negro, como eu, e alto, muito alto (mas acho mesmo que eu vou puxar a altura mediana da minha mãe). O meu pai é bisneto de franceses, por isso temos um sobrenome bem diferente: Mrvar.

Por causa dele pratico vôlei e natação. Ele é contra sedentarismo -acho que é porque é marinheiro. No começo eu costumava reclamar. Depois fui criando gosto. Hoje em dia eu amo tanto vôlei quanto a natação. Acho que é isso que me mantém em forma, pois sou louca por doces, assim como a minha mãe.

A minha mãe é linda. Não é porque ela é minha mãe que falo isso não, é que ela é linda de verdade. Ela tem olhos grandes e muito azuis e os fartos e longos cabelos são cacheados cor de chocolate com mechas loiras. É a pessoa mais doce e calma que eu conheço. Nunca a vi falar uma palavra em tom mais alto do que outra. Outra coisa bem interessante é que minha mãe é vegetariana. Sobrevive muito bem no meio de dois carnívoros convictos.

Como deu para perceber, apesar de diferir nesse último exemplo, eu adquiri vários hábitos da minha mãe. Outro exemplo é o chá. Pode ser estranho- principalmente por sermos brasileiros- mas em casa tomamos mais chá do que café. É chá no café da manhã. Chá no lanche. Chá,às vezes, depois do jantar. Meu palpite é que minha mãe adquiriu aquele gosto por chá com sua família, mas não sei quase nada sobre a família dela. Para não dizer nada. Minha mãe não gosta de tocar no assunto. Meu pai também não.

De qualquer jeito, de uns tempos para cá, tratei de evitar ler livros de contos de fadas. Eu mesma parei de falar mais sobre fadas porque quando eu comentava isso para minhas amigas elas riam de mim me achando uma idiota.

_ Você é mesmo muito boba,Nila! Acredita em fadas dos dentes e em abóboras que viram carruagens!

Eu tenho treze anos e a maioria das minhas amigas tem a mesma idade que eu e já namoram. Não que eu ligue muito para namoros, a maioria das vezes me acho muito nova, mas não quero que minhas amigas fiquem me chamando de boboca e achando que eu sou uma mané.Até porque se apenas eu vejo essas coisas- nunca conheci outra pessoa que disse ter visto fadas purpurinadas ou a Pequena Sereia no meio das ondas-então deve ser coisa da minha imaginação alimentada por vários livros de fantasia, né?

Errado.


OBS: Este livro está registrado no Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional. Plágio é crime!

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