2. Minerva, Flor-de-lis e Talula

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Eu descobri que não era maluca no primeiro dia das férias de julho. Eu tinha perdido o sono por algum motivo e estava com insônia. Acho que porque estava com saudades do meu pai. Como ele é marinheiro e às vezes tem de viajar, passa uns dois, três meses longe de casa. (Teve vez que passou seis meses).

Ele estava viajando há dois meses, mas estava para voltar. Acho que estava pensando nisso, em como ele estava longe de casa e por isso perdi o sono. Demorou bastante para eu começar a sentir meus olhos arderem.

Eram quase três da manhã quando o sono vinha chegando e eu cobri minha cabeça com o travesseiro e foi quando eu ouvi um som parecido com puf! E aí escutei vozes. Vozes femininas que conversavam entre si. A primeira era uma voz grave, forte:

_ Talula nos trouxe para o lugar errado!De novo!

_ Hum... Flor-de-lis tem razão, querida Talula,você nos trouxe para o lugar errado.

Eu não ouvi uma terceira voz, mas a segunda voz, melodiosa voz, voltou a falar:

_ Não tem por que se desculpar, querida Talula. Isso acontece.

_ Acontece, acontece._ tornou a primeira voz, a que parecia ser a tal Flor-de-lis._ Mas não deve acontecer sempre. Minerva, você tem que admitir que temos a aprendiz mais desajeitada e atrapalhada de todos os tempos!

Eu estava quietinha. Acho que mal conseguia respirar direito. Era isso. Tinha chegado o dia. Finalmente eu estava completamente pirada. Ouvindo vozes. Tinha que ter certeza se as vozes eram algo vindo da minha mente então tirei o travesseiro do meu rosto e olhei para frente. Meu queixo caiu, literalmente.

Na minha frente estavam três criaturas de tamanhos normais. Digo, nem pequenas como vaga-lumes nem grandes como árvores, eram do tamanho de pessoas normais e estavam planando no ar. Tipo, os pés delas não estavam tocando o chão. Isso é, as sandálias trançadas estavam a alguns centímetros de distância do chão. Ah, acho que deu para entender o que quis dizer.

A que estava na direção do meu braço direito aparentava ter uns 25 anos. Tinha os olhos castanhos e seus cabelos eram vermelhos, não ruivos, vermelho mesmo e estavam presos em uma trança caprichada e ela usava um longo vestido sem mangas de mil cores que não deveria combinar, mas combinava. A do meio aparentava ser um pouco mais velha, tinha os olhos verde-esmeralda, e os cabelos prateados também estavam presos em uma trança e seu vestido cor pêssego de gola V imitava uma túnica grega.

A última era a mais graciosa das três. Aparentava ter uns doze ou treze anos e seus olhos eram cor violeta. Seus longos e cacheados cabelos eram castanhos com mechas douradas e estavam soltos nos ombros e era a única que usava um diadema de ouro branco na testa com uma solitária e vermelha pedra no centro.Estava em um vestido que eu achei a coisa mais incrível que já vi, porque mudava de cor num repente e passava de azul para prateado, para laranja, para branco, para amarelo e assim continuava mudando de cor num piscar de olhos. Caramba!Como é que podia ser possível aquilo?

Nunca tinha visto criaturas tão bonitas como aquelas três. Suas peles possuíam um brilho diferente, quase cósmico.

Acho que eu permaneceria de boca aberta por mais tempo vendo duas delas continuarem a discutir se a terceira, a de diadema na testa, não houvesse olhado para mim. Eu deveria estar com a maior cara de espanto e ela tratou de cutucar a mais velha delas, a de cabelos prateados, como se tivesse apertando várias vezes o botão para chamar um elevador.

_ Sim, Talula?_ a de cabelos prateados voltou-se para a de diadema na testa, a tal Talula, e parou na metade do caminho quando a percebeu apontando para mim energicamente. _ Mas como é possível? Essa criança está nos vendo?

_ Claro que estou._ consegui responder, me sentando na cama.

Aí a de cabelos vermelhos também olhou para mim com um olho, vou te falar, mas se recuperou do susto rápido. Fez um movimento com uma das mãos e uma varinha vermelha de uns vinte e cinco centímetros, eu acho, apareceu na sua mão. Era uma varinha mágica comum (sem estrela na ponta) apontada para mim.

_ Vamos apagar a memória dela, Minerva!

Eu não sei se fiquei mais espantada com o fato de poder ter meus miolos pulverizados ou com a velocidade com que a varinha apareceu na mão dela.Talula imitou a de cabelos vermelhos, a Flor-de-lis, e em sua mão também apareceu uma varinha. Senti meu queixo cair de novo.

_ Talula, Flor-de-lis, por favor, não precisa de tanto._ falou Minerva abaixando as varinhas que Talula e Flor-de-lis apontavam para mim._ Quando ela acordar amanhã vai pensar que tudo foi um sonho. Como acontece com as crianças.

Quase abria a boca para dizer que não pensaria que fosse sonho, pois ver seres mágicos não era algo tão anormal na minha vida. Queria falar que já havia visto fada e sereia antes, mas achei melhor me calar. Minerva parecia gentil, mas poderia mudar de ideia se eu contasse o que via, e apagar minha memória.

_ Vocês são... fadas?_ foi a única coisa que perguntei. Consegui perguntar.

_ Não. Somos Huguinho, Zezinho e Luizinho._ Flor-de-lis respondeu com sarcasmo.

_ Não se incomode com a Flor-de-lis. Somos fadas sim, criança._ respondeu Minerva calmamente.

_ Só falta ela perguntar se somos as fadas-madrinhas dela.

Talula achou graça com o comentário de Flor-de-lis e Minerva escolheu ignorá-lo e sentou-se na beirada da minha cama me fitando com bondade. Pelo menos para mim parecia bondade.

_ Como se chama, criança?

_ Nila.

_ Nila... Sou Minerva. Essas são...

_ Talula e Flor-de-lis. Saquei.

_ Oh, esplêndido! Agora que nos apresentamos como se deve, vamos nos sentar e tomar chá!_ o comentário irônico de Flor-de-lis fez Talula achar graça novamente.

Eu sempre achei que todas as fadas fossem boazinhas, alegrinhas, cheias de compaixão e amor para dar. Seres sempre dispostos a ajudar. Vendo Flor-de-lis ali na minha frente pensei o quanto estava errada. Flor-de-lis não aparentava ser alegrinha e estar sempre disposta a ajudar.

_ Vocês vão apagar minha memória?_ perguntei com medo.

_ Claro que não. _ Minerva, agora mais próxima de mim, deu um riso curto._ Deixemos que as coisas tomem seu percurso. Nós vamos embora e você vai voltar a dormir.

Eu queria falar mais alguma coisa, mas Minerva nem bem terminou o que disse e colocou o indicador na minha testa. Não consigo entender o que exatamente aconteceu. Lembro apenas de sentir um sono pesado imediatamente e cair na cama. 

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