Vassili Andrêitch, com suas duas peliças, sentia-se bem quente, em especial depois
de se debater no monte de neve. Mas um calafrio correu-lhe pela espinha quando
compreendeu que realmente teria de passar a noite ali. Para se acalmar,
acomodou-se no trenó e procurou seus cigarros e fósforos.
Nesse ínterim, Nikita desatrelava o cavalo e, enquanto se atarefava nisso,
conversava sem cessar com o Baio, animando-o.
– Vamos, vamos, sai agora – dizia, tirando-o de entre as lanças do trenó. – E
vamos amarrar-te aqui, e vou dar-te um pouco de palha e desembaraçar-te –
falava, enquanto fazia o que dizia. – Depois de comer um pouco, te sentirás mais
alegre.
Mas o Baio, ao que parecia, não se deixava tranquilizar pelas conversas de
Nikita: estava inquieto, pateava, apertava-se contra o trenó, virava as ancas para o
vento e esfregava a cabeça na manga de Nikita.
Como se fosse apenas para não ofender Nikita, recusando a oferta da palha
que ele lhe enfiava debaixo do focinho, uma vez o Baio só abocanhou, num
repente, um feixe de palha do trenó, mas decidiu, imediatamente, que a situação
não era para palha: soltou-a, e o vento a levou incontinenti, espalhando-a e
cobrindo-a de neve.
– Agora vamos colocar um sinal – disse Nikita e, virando o trenó na direção do
vento, colocou as lanças na vertical e amarrou-as com a correia da sela à frente do
trenó. – Agora, se a neve nos cobrir, gente boa verá estas lanças, saberá que
estamos aqui e virá nos desenterrar – disse Nikita, calçando as luvas. – Foi assim
que os velhos nos ensinaram.
Nesse meio-tempo, Vassili Andrêitch, abrindo a peliça e protegendo-se contra
o vento, riscava um fósforo após outro contra a caixa de aço, mas suas mãos
tremiam tanto que os fósforos, apenas acesos, eram logo apagados pelo vento, no
mesmo momento em que se aproximavam do cigarro. Finalmente um fósforo
conseguiu pegar fogo e iluminou por um instante a pelagem da sua peliça, sua mão
com o anel de ouro no dedo indicador curvado para dentro, e a palha que escapava
de sob o assento, coberta de neve, e o cigarro conseguiu ser aceso. Ele inalou
avidamente por duas vezes, soltou a fumaça pelos bigodes, quis tragar mais uma
vez, mas o vento arrebatou-lhe fumo e fogo e levou para onde já levara a palha.
Mas mesmo essas poucas tragadas de tabaco animaram Vassili Andrêitch.
– Se temos de pernoitar, pernoitaremos! – disse ele, decidido. – Mas, espera,
eu ainda vou fazer uma bandeira – acrescentou, apanhando o lenço que tirara do
pescoço e jogara no fundo do trenó. E, tirando as luvas, ficou de pé no trenó e,
alcançando com esforço a correia que amarrava as lanças, prendeu o lenço com um
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Senhor e servo - Leon Tolstoi
Ficção HistóricaEis que disponibilizo ao leitor 'Senhor e servo', de Leon Tolstoi. Como escritor, Tolstoi dispensa comentários; além de sabermos do necessário é claro: uma escrita de calibre imprescindível, e de mesmo quilate que outro grande escritor, e compatriot...