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Desde que se sentara, coberto pela serapilheira, atrás da traseira do trenó, Nikita

permanecera imóvel. Ele, como todos aqueles que convivem com a natureza, era

paciente e capaz de esperar calmamente durante horas e até dias, sem sentir

inquietação ou irritação. Ouvira o patrão chamá-lo, mas não respondera, porque

não queria responder nem se mover. Embora ainda se sentisse aquecido pelo chá

que bebera e por ter se agitado bastante andando pelos montes de neve, Nikita

sabia que esse calor não duraria muito e que, para aquecer-se pelo movimento,

não teria mais forças, pois já se sentia tão cansado como um cavalo quando para

sem poder andar mais, apesar das chicotadas, e o dono percebe a necessidade de

alimentá-lo para que possa trabalhar de novo. Com um dos seus pés enregelado

dentro da bota furada, Nikita já não sentia o polegar, e, além disso, seu corpo

esfriava cada vez mais. A ideia de que poderia e, provavelmente, até deveria

morrer naquela noite já lhe ocorrera, mas não lhe pareceu nem tão desagradável

nem especialmente assustadora. E essa ideia não lhe parecia tão desagradável

porque a sua vida inteira não fora nenhuma festa permanente, mas, pelo contrário,

fora um servir aos outros interminável, o que já começava a fatigá-lo. E também

não lhe era especialmente assustadora tal ideia porque, além dos patrões como

Vassili Andrêitch, a quem servia ali, ele se sentiu sempre, nesta existência,

dependente do Patrão maior, Aquele que o enviou para essa vida, e sabia que,

mesmo morrendo, continuaria sob o poder desse mesmo Senhor, e que este Senhor

não o abandonaria. "Se dá pena deixar o conhecido, o costumeiro? E daí? Também

é preciso acostumar-se ao novo."

"Pecados?", pensou e se lembrou das bebedeiras, do dinheiro esbanjado com

a bebida, das ofensas à mulher, dos insultos, da ausência da igreja, da

inobservância dos jejuns e de tudo aquilo pelo que o padre o censurava durante a

confissão. "Está certo, há os pecados. Mas como, será que fui eu mesmo que os

atraí até mim? Vai ver que foi assim que Deus me fez. Pois é, pecados! E aonde eu

vou me enfiar?"

Matutou assim, no começo, sobre o que poderia advir-lhe naquela noite, mas

depois não voltou mais a esses pensamentos e se entregou às recordações que lhe

vinham à cabeça por si mesmas. Ora se lembrava da chegada de Marfa, ora das

bebedeiras dos trabalhadores, ora das suas próprias recusas ao vinho; e dessa

viagem de agora, e da izbá de Tarás, e das conversas sobre partilhas, e do

rapazola seu filho, e do Baio, que se aquecera agora debaixo da manta, e do

patrão, que ora está fazendo ranger o trenó, revirando-se dentro dele. "Ele

também, coitado, acho que se arrepende de ter saído com este tempo", pensava

Nikita. "Com uma vida como a dele não dá vontade de morrer. Não é como nós

outros." E todas essas lembranças começaram a embaralhar-se, a confundir-se na

sua cabeça, e ele adormeceu.

Quando, porém, Vassili Andrêitch, ao montar no Baio, balançou o trenó, e a

traseira na qual Nikita estava encostado foi sacudida, dando-lhe um violento

tranco, ele acordou e, querendo ou não, teve de mudar de posição. Esticando as

pernas com dificuldade e sacudindo a neve, Nikita levantou-se e, no mesmo

momento, um frio torturante invadiu-lhe o corpo inteiro. Compreendendo o que

acontecia, desejou que Vassili Andrêitch lhe deixasse a manta, agora inútil para o

cavalo, a fim de cobrir-se com ela, e gritou para pedi-la.

Mas Vassili Andrêitch não parou e desapareceu no meio da nuvem de neve.

Ficando só, Nikita pensou por um momento no que fazer. Sentia que não tinha

forças para sair à procura de abrigo. E voltar para o lugar anterior já era

impossível, porque estava todo coberto de neve. E, dentro do trenó, sabia que não

iria aquecer-se, pois não tinha com o que se cobrir, e a sua própria roupa, precária,

já não o esquentava de todo: sentia tanto frio como se estivesse em mangas de

camisa. Nikita teve medo. "Paizinho do céu!", balbuciou, e a consciência de que

não estava sozinho, de que Alguém o ouvia e não o abandonaria, tranquilizou-o.

Deu um suspiro profundo e, sem tirar a serapilheira da cabeça, subiu no trenó e

deitou-se no lugar do patrão.

Mas, mesmo dentro do trenó, não conseguiu aquecer-se. No começo, tiritava

dos pés à cabeça e, depois, quando o tremor passou, começou, pouco a pouco, a

perder a consciência.

Não sabia se estava morrendo ou adormecendo, mas se sentia igualmente

preparado para qualquer dos casos.

Senhor e servo - Leon TolstoiOnde histórias criam vida. Descubra agora