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Arrastando-se até o trenó, Vassili Andrêitch agarrou-se a ele e ficou parado por

muito tempo, imóvel, procurando acalmar-se e recuperar o alento. Nikita não se

encontrava no lugar onde o deixara, mas dentro do trenó jazia algo, já todo

encoberto pela neve, e Vassili Andrêitch adivinhou que era Nikita. O medo de

Vassili Andrêitch passara completamente, e, se agora ele temia alguma coisa, era

somente aquele horrível estado de pânico que experimentara no cavalo, em

especial quando ficara sozinho no monte de neve. Era imprescindível não permitir

que esse medo se aproximasse e, para não deixá-lo voltar, era preciso fazer

alguma coisa, ocupar-se de algum modo.

Assim, a primeira coisa que ele fez foi colocar-se de costas para o vento e

abrir a peliça. Depois, logo que recobrou um pouco o fôlego, sacudiu a neve de

dentro das botas e da luva direita – a esquerda estava irremediavelmente perdida,

devia estar três palmos debaixo da neve –; a seguir, tornou a apertar o cinto, baixo

e firme, como se cingia quando saía da venda para comprar das carroças o trigo

trazido pelos mujiques, e preparou-se para a ação.

A primeira coisa a fazer era livrar a pata do cavalo. Foi o que Vassili Andrêitch

fez, e, soltando os arreios, tornou a amarrar o Baio na argola de ferro da frente do

trenó, no lugar antigo, e passou para trás do cavalo, a fim de arrumar as correias e

os arreios no seu lombo. Mas naquele momento ele viu que alguma coisa se movia

no trenó, e, de sob a neve que o cobria, levantou-se a cabeça de Nikita.

Aparentemente com grande esforço, o já quase enregelado Nikita soergueu-se e

sentou-se de um modo estranho, agitando a mão diante do nariz, como se

espantasse moscas. Ele abanava a mão e dizia algo que pareceu a Vassili Andrêitch

um chamado.

Vassili Andrêitch largou os arreios sem terminar de arrumá-los e aproximou-se

do trenó.

– O que é? – perguntou ele. – O que estás dizendo?

– Es-tou mor-morrendo, é isso – articulou Nikita com dificuldade, a voz

entrecortada. – O que ganhei, entrega ao meu filho ou à minha velha, tanto faz.

– O que foi, será que estás gelado? – perguntou Vassili Andrêitch.

– Estou sentindo... é a minha morte... perdoa, pelo amor de Cristo... – disse

Nikita, com voz chorosa, continuando a abanar as mãos diante do rosto, como se

enxotasse moscas.

Vassili Andrêitch ficou meio minuto parado, imóvel e calado. Depois, com a

mesma determinação de um aperto de mão à conclusão de um negócio vantajoso,

ele recuou um passo, arregaçou as mangas da peliça e, com ambas as mãos, pôs-

se a remover a neve de cima de Nikita e do trenó. Retirada a neve, Vassili

Senhor e servo - Leon TolstoiOnde histórias criam vida. Descubra agora