Onde tudo começou.

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Eu me chamo Anne, prazer. Hoje vou contar minha história, minha história de pura magia.
Tudo começou numa manhã de domingo logo após eu tomar meu café da manhã, eu apenas não me lembro o que aconteceu eu só sei que fui parar no hospital, me lembro de acordar com uma enfermeira muito grossa e impaciente, ela estava me espetando uma agulha enorme no braço, eu apenas gritei e novamente não me lembro de mais nada após isso.
Quando acordei estava na minha cama e era sábado, fiquei confusa e desesperada, não sabia o que estava acontecendo, única coisa que me lembrava eram de momentos pequenos, tomar café no domingo, acordar com a enfermeira grossa, e acordar de novo, mas na minha cama num sábado. Eu não posso ter dormido todos esses dias, será que me injetaram algo muito forte? Mas quem poderia me trazer pra casa? Não me lembro de ter visto ninguém me acompanhando, estou com medo e assustada, ligo para minha mãe, não sei o que ia adiantar ligar pra ela, mas liguei.

- Oi mamãe.
-Anne Mackeine por onde você estava garota? Te ligo todos os dias e seu celular sempre está desligado.
-Mamãe, você não me liga não. Você apenas me liga quando lembra que eu existo.
-Que audácia garota petulante, como pode falar com sua mãe dessa maneira? Você é minha filha e eu nunca esqueceria de sua existência. Menina, você precisa de umas férias, venha pra casa, volte para cá, sentimos sua falta, seu pai vive falando de você, ele está com saudades. Venha viu, vou desligar amor, seu pai está me chamando, diz que fez café da manhã pra mim. Beijos minha querida.
-Tudo bem mamãe, beijos, eu te amo.

Eu liguei pra minha mãe às 20:45 da noite na esperança dela estar bem, e não, ela não estava. Meu pai morreu faz três anos, num acidente de avião. Pegou um voo pois estava vindo me visitar e às 14:00 da tarde, já preocupada com a demora resolvo ligar pra ele, e nada dele atender, fico mais preocupada ainda e ligo na central do aeroporto isso às 15:00, já fazia mais de 10 horas que meu pai havia embarcado. Uma moça atende e fica com uma voz meio perdida e diz pra eu ligar a TV no canal 12, eu fico irritada e peço que me dê informações, e ela apenas me diz pra fazer o que ela orientou. Com raiva e desesperada decido assistir tv e vejo o jornal da tarde, recebi a notícia que cento e dez passageiros do avião 166 que saiu do Brasil às 3:40 da manhã do dia 23 de agosto de 2014 morreram no acidente, foi um dia fatídico, foi um dia horrível, na verdade, foi o pior dia da minha vida.
Fizemos um velório em sua homenagem e em homenagem aos outros passageiros, seus corpos nunca foram encontrados pois se perderam no mar. Tenho certeza que essas horas no céu meu pai deve estar tomando uma xícara de café com um pedaço de pão duro e amanhecido, era o que ele mais gostava de comer.

Depois do acidente a vida de todos da família mudou, principalmente a da minha mãe que ficava um pouco mais louca a cada dia.

Eu era casada, tinha estabilidade financeira, casa, carro e um marido maravilhoso, morava na Argentina, conheci meu marido no intercambio que ganhei de aniversário de 18 anos e depois disso não quis mais ir embora, morar lá e viver com ele era tudo o que eu havia sonhado. Um dia às 02:00 da manhã começo a gritar, chamando meu pai e socando tudo o que via pela frente. Peço desculpas a Charles e digo que aquela seria a primeira e última vez. Charles era meu marido, sim era. No dia seguinte acordo com um bilhete do lado da cama escrito: "Querida e tão amada Anne, liguei para sua irmã e ela disse que está vindo te buscar, jaja uma moça muito gentil virá aqui para lhe visitar, ela chama Luise, Drª. Luise, ela vai te ajudar nesse seu problema meu amor, faz dois meses que você tem crises no meio da noite e se recusa a passar em médicos pelo fato de não se lembrar disso, não foi a primeira vez, e talvez não seja a última, espero que Luise te ajude, estou indo para casa dos meus pais na Alemanha, espero que você viva bem e se cuide, te amo Anne, seja feliz."

Nesse dia eu apenas sentei e esperei, não sabia o que fazer, não sabia o que pensar, e nem como reagir, apenas esperei e esperei, então aparece minha irmã, dizendo que ia me levar para casa. Eu já não estava opinando em mais nada, então apenas fui. Charles havia me deixado e meu pai morrido, o que mais de ruim poderia acontecer? Quão louca e acabada eu estava? O que estava acontecendo na minha vida?

Depois de várias horas de avião e ouvindo minha irmã cantar e cantarolar uma musica que eu não sabia da existência, chegamos no Brasil mortas de cansaço e com saudades de uma casa e uma cama.

Quando chego em casa vou correndo abraçar minha mãe, e quando vejo ela está querendo se soltar do meu abraço e perguntando pra Maggy, minha irmã, quem era a doida que estava agarrando ela, de verdade acho que minha vida estava de cabeça para baixo.
Minha irmã me leva ao quarto e me conta que minha mãe foi diagnosticada com alzheimer, e só descobriu recentemente. Depois que meu pai morreu ninguém se recuperou totalmente.
Eu fiquei morando com elas um ano e meio e decidi melhorar por conta própria e sim, melhorei, relaxei e resolvi viver uma vida nova, então me mudei para Argentina novamente, lá eu me sentia em casa, me sentia livre. Minha mãe não havia melhorado, e apenas iria piorar, essa doença é bem difícil de cuidar, e tem um resultado horrível e pior ainda para quem não sabe lidar, minha irmã cuida dela bem melhor que eu, então vou tentar eu viver diferente para não acabar como minha mãe.

Voltando na manhã de sábado, após falar com minha família, tomo uma xícara de chocolate, e vou ler uns jornais, talvez eu estivesse ficando louca novamente, só pode, não há outra explicação. Me lembro de ter sonhado com coisas loucas e começo a rir, sim, estava ficando louca. No meu sonho havia um príncipe, lindo demais, havia uma rainha, um castelo e animais lindos. Tudo lindo, mas era um sonho.

Anne e seu mundo invertidoOnde histórias criam vida. Descubra agora