Um horizonte alaranjado

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Eu não sabia mais quanto tempo conseguiria fingir ser a noiva do Príncipe Maven. Bancar a princesa já era difícil, considerando que eu ainda fazia aulas de protocolo. A Lady Blonos era sempre inflexível: aprender a sentar, a manusear um número absurdo de talheres, a ficar em pé, a andar, a falar, a me vestir...

E eu sentia falta de casa.

Como estavam meus pais? Gisa? Queria ver a cara deles depois que meus irmãos foram dispensados da guerra. Cal disse que emitiu uma carta para liberá-los do serviço à pátria, mas seria isso verdade? Eu não tinha como saber, e nem sabia mais em quem confiar. Certamente não nessa família de prateados com coroa na cabeça.

— Lady Mareena.

A voz de Maven atrás de mim poderia muito bem ser confundida com meus pensamentos. Digo, não que eu estivesse pensando nele.

— Alteza — a Lady Blonos respondeu rapidamente, com uma reverência impecável, que eu demoraria anos para aprender sequer a equilibrar — Por hoje é só, Lady Titanos.

Soltei um suspiro, tirando o livro da cabeça e enfim me virando para Maven. Era provável que a Lady Blonos estivesse me fulminando com os olhos.

— Achei que estivessem treinando.

Falei, tentando não demonstrar muito desinteresse na minha voz. Depois da noite passada, onde eu quase cuspi as palavras na cara do príncipe de que não sentia pena alguma dele, receava de que o tivesse magoado além do planejado. Mas, pelo contrário: ele estava intacto com sua postura perfeita na porta.

— Quis ver como estava se saindo. As aulas com Julian devem ser melhores.

Soltei um suspiro, vendo ele caçoar de mim com um sorriso. Atirei uma luva de seda na sua direção, só para provocar.

— Se veio até aqui para ter certeza do quão profunda é minha falta de conhecimento sobre os costumes prateados, então vai perder seu tempo.

— Ei, eu não vim aqui para isso.

— Ah, não?

— Não.

Ele caminhou alguns passos na minha direção, me tirando também a outra luva. O leve contato dos seus dedos nos meus me causaram um arrepio. Espero que ele não tenha notado.

— Quero te mostrar uma coisa.

Os olhos azuis do príncipe poderiam vasculhar a minha alma, se quisessem. Tento não me lembrar agora que ele é filho de quem é, a rainha Merandus.

— Tudo bem. Mostre-me.

— Vai ter que me seguir primeiro.

(...)

Caminhamos um longo corredor no mesmo nível que os quartos meu e de Evangeline. Não havia ninguém por ali, exceto alguns poucos sentinelas fazendo sua patrulha. Ao final deste mesmo corredor, havia uma janela - sim, porque não poderia ser chamada de porta já que a vista dava para um precipício — com o vidro transparente desde o chão até o teto. Nos aproximamos dela, eu com uma certa cautela, para contemplar a vista.

Até agora eu ainda não entendia o que Maven queria me mostrar. E foi então que eu consegui distinguir algumas coisas ao longe.

Uma margem lamacenta. Pequenos arbustos se acumulando próximo a casas de madeira - não, não casas. Palafitas.

— Albanus — encostei no vidro, como se pudesse sentir o ambiente próximo da minha casa só naquele gesto — digo, Palafitas.

Virei-me para ele, sem perceber que estava sorrindo. Algo que não fazia há dias.

— Achei que ia gostar de ver sua casa. Sente saudades, não sente?

Abaixei a cabeça, porquê eu não esperava aquele gesto do príncipe do fogo azul. Com um suspiro, confirmei.

— Eu não pertenço a este lugar, Maven.

— Eu sei — sua mão tateou pela minha, e eu não recuei nenhum centímetro. Era quente, um calor bem vindo diante da frieza da minha solidão — Mas lembre-se que eu estou aqui para fazê-la se sentir em casa. Mesmo que seja só um pouco.

Minha resposta foi um sorriso, grato, pelo menos.

— Mesmo que você também não se sinta em casa?

Falei, dando uma risada divertida, embora o assunto fosse delicado. Ele também riu, o que me deixou aliviada.

— Mesmo assim.

Apertei sua mão.

— Obrigada.

Ele sorriu, e nós dois nos viramos para a janela.

Ficamos ali até o pôr-do-sol se completar no horizonte. 

Maven e Mare - o que poderia ter sidoOnde histórias criam vida. Descubra agora