Silêncio. Silêncio era algo que James não costumara presenciar em toda sua vida, morando sozinho com seus três irmãos, sem pais ou parentes que pudessem regulá-los sobre o barulho feito. E ao acordar com a típica discussão sobre quem iria usar o banheiro primeiro, um sorriso surgiu no canto de seus lábios. Se havia algo de que James estava precisando, era da rotina, da barulheira de seus irmãos e suas pequenas preocupações sobre sua família.
Austin estava encostado na parede do corredor, de frente para o banheiro, com seus cabelos dourados bagunçados e usando uma cueca samba-canção como pijama. Trazia em uma de suas mãos seu ursinho de pelúcia marrom.
Ele ama mais aquele urso do que tudo no mundo. James pensou, virando-se quando escutou um barulho vindo da cozinha. Alayne cozinhando de novo? Que os deuses nos ajudem...
Para sua própria surpresa, a irmã estava arrumando a mesa de jantar, colocando os pratos e talheres enquanto assobiava uma música qualquer. A casa estava limpa, mas não do jeito que ficava quando terminavam uma faxina, limpa de sem os usuais pertences espalhados pelos cantos. Os preciosos livros de Liam estavam empacotados numa caixa de papelão encima da mesa de centro ao lado de uma caixa com os brinquedos de Austin e a coleção de estátuas de Star Trek de Alayne. Parecia que estavam de mudança.
Na cozinha, uma mulher alta e loira usando avental, se mexia freneticamente com frigideiras na mão. Seu rosto ficou branco quando virou-se e viu James.
Mas que porra... O garoto suspirou, piscando os olhos enquanto tentava se acostumar com a cena da sua não-tão-presente mãe cozinhando.
- Tá aí. - James começou, falando de modo sarcástico, enquanto observava sua mãe recuperar a cor. - Essa é uma cena que não costumo ver todo dia.
- Bom dia, Jamesson. - Julia sorriu, tirando pedaços de bacon com uma espátula e colocando num prato com papel-toalha. - Já soube das novidades, ou seus irmãos estão com raiva demais para falar?
O quê ela está falando? James se questionou, percebendo o sorriso se tornar uma carranca seria no rosto de sua mãe.
- Você precisa ir embora. - Ela falou, com um tom sombrio, largando a frigideira encima do fogão. Seus olhos azuis engoliram o garoto, que ficou parado processando a informação.
- O quê? - James questionou, engolindo em seco.
- Todo seu problema com a magia está afetando eles também. - Julia repetiu, sussurrando. - Eu já falei com seus irmãos, expliquei a eles que você arrumou um estágio melhor.
- Você fez o quê?! - James arregalou seus olhos, sentindo um bolo se formar em sua garganta. - O quê te dá o direito de me afastar dos meus irmãos com uma mentira?
- Eu sou a Mãe deles, esse é o direito que eu tenho. - Julia falou com um certo desprezo em sua voz. - Você não tem escolha aqui. Ou se afasta deles, ou eu os levo comigo para o Distrito Superior.
A Mãe deles. James gargalhou, sentindo a fúria correr por suas veias.
- É tão conveniente ser a mãe deles agora, não é? - O garoto sorriu, se aproximando para ficar cara-a-cara com a própria mãe. - Quando eles estão saudáveis, crescidos, inteligentes. Mas onde estava a mãe deles todos esses anos?
- Você sabe muito bem onde estive e o quê estive fazendo. - A Mãe respondeu, inflando seu peito. - Não me venha com isso agora, Jamesson. Posso não ter sido a mãe mais presente do mundo, mas sempre ajudei a cuidar deles!
- Deixei de viver minha vida, de fazer minhas escolhas para cuidar deles! Eles são uma parte tão grande de mim que se tirá-los não sobra nada, NADA! - James desabafou, batendo com força sua mão na bancada da cozinha. - Você não é nem mesmo uma mãe para eles!
Um tapa. Um forte, magoado e sonoro tapa no rosto de James e ambos se calaram. Um tapa cheio de significados e anos de desentendimento entre os dois, e a discussão estava acabada. Não era a dor que importava para o garoto, mas sim todas as coisas ditas não-verbalmente pela mãe com aquela agressão.
James por um instante lembrou-se de quando a Mãe conversara com ele sobre ter que ir embora, para o Distrito Superior, fazer parte de algo maior. Austin não devia ter mais do que dois anos ou três, enquanto os gêmeos ainda eram crianças despreocupadas e James um adolescente que não sofria das limitações do Distrito Inferior. Inteligente, bonito, cheio de potencial. Não eram poucos os professores que viam nele um futuro do outro lado.
Mas a família vem em primeiro lugar. Sua mãe havia dito, com os lábios formando uma fina linha preocupada. Fácil falar quando não é você quem precisa praticar essa filosofia.
Dias depois, Julia partira escoltada por carros do Governo para a Muralha, e desde então sua presença materna não passara de presentes para seus irmãos. Mas não posso culpá-la por buscar algo melhor para si e para eles. Havia tanto de seu pai em sua personalidade, aparência e aura que a mãe sequer cogitava a possibilidade de chamá-lo de filho.
- Tudo bem aqui? - Alayne perguntou com uma expressão assustada, encostada na porta com Austin e Liam atrás de si.
Eles ouviram. James balançou a cabeça positivamente, sem expressar nada ou falar nada, saindo a passos largos da cozinha.
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James observou atentamente o garoto de olhos azuis entrar no quarto, encostando-se na porta com um sorriso tímido nos lábios e as mãos nos bolsos da calça. As luzes do quarto estavam apagadas, e a única iluminação era a luz prateada da lua que entrava pela grande janela, dando um aspecto sobrenatural ao amigo.
- Sua irmã falou para subir... - Alex começou, fechando a porta e colocando sua bolsa no chão. - Estou incomodando?
- Nem um pouco, A. - James sentou-se na cama, cruzando as pernas e evitando seu olhar. - Na verdade, estava precisando muito de você. Muito.
Não me julgue, por favor. Alex sentou-se ao lado do amigo na cama, passando o braço por seus ombros e roçando suas bochechas. James riu. Continue assim depois que eu falar.
- Vamos, desembucha, bebê. - Alex sussurrou, virando-se para olhá-lo nos olhos. - O quê aflige esse coraçãozinho lindo?
James suspirou, respirando e inspirando até que o ar se transformasse em confiança e enchesse seus pulmões o suficiente para que conseguisse contar tudo. E contou. Tudo, desde a Manifestação até a briga na cozinha com sua recém-chegada e cruel mãe. Seus olhos encheram-se de lágrimas, mas lutou para continuar forte na frente do melhor amigo. A coisa mais difícil foi contar como estava tão viciado, tão mergulhado na magia que era totalmente dependente dela. Alex continuou calado, olhando fundo na alma do amigo.
- Você acha que ela está certa? - Alex perguntou, por fim. - Vai deixá-la levar seus irmãos?
- Eu não sei, sinceramente. - James passou a mão pelo seu cabelo, suspirando. - Não posso fazer nada, ela é a mãe deles. E se ela estiver certa e eu for perigoso? E se de repente eu explodir a cidade por não saber controlar isso?
- Se você já aprendeu uma vez como fazer, aprendera como controlar. - O amigo se levantou, dando um forte abraço em James e um beijo molhado em sua bochecha. - Conte comigo, tá? Vou ajudá-lo com a magia, e depois com seus irmãos.
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Tons de Revolução
FantasíaJames é um pintor totalmente alheio a distopia em que vive e seus problemas são apenas relacionado a sua família nada funcional, mas com o ataque terrorista a Muralha que divide a população do Vale em ricos e pobres, James se vê no meio do massacre...