Rubatosis

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Rubatosis (n.) A consciência perturbadora do seu próprio batimento cardíaco.

Uma visão do futuro

Nossos corpos imóveis sobre o plano de concreto pareciam dizer tudo aquilo que sabíamos sobre liberdade. Senti-la entre os dedos era a anatomia perfeita do corpo no planeta. Ao nosso redor tudo parecia frágil perante a força da natureza. E nós sabíamos que a qualquer momento poderíamos ser esmagados pelo imprevisível, como a boca de um tigre faminto. Mas, por algum mistério maior, quanto mais dóceis nós desejávamos ser, mais o universo nos aceitava. Fazíamos parte de algo bem mais importante do que a nossa desprezível e simples existência. Éramos livres e nos encontrávamos absolutamente interagidas com o mundo. Nós éramos a própria vida pronta pra encarar qualquer tipo de destino.

E talvez o meu mundo fosse ela, e as estrelas que agora se formavam no céu fossem as testemunhas das emoções que agora bailavam de uma forma descompassada em meu coração. E então, finalmente, percebi: Para se sentir parte do universo precisamos fazer parte de algo que sintamos que vale a pena.

E meu bilhete de ouro tava ali, bem nos meus braços, com um sorriso-casa no rosto e a juba sob o vento.

Pra começar

Cada coisa em seu lugar

E nada como um dia após o outro

Ana

Silêncio.

Em minha sacada, São Paulo parecia ser estranhamente silenciosa. Aqui eu não conseguia ouvir os barulhos das sirenes, os miados dos gatos e os latidos ensurdecedores dos cachorros. Não conseguia ouvir os apelos de garotas assediadas nos becos. Não podia ouvir os suspiros cansados de moradores de rua. Não ouviria o som do bater de portas de alguém que chegou dou trabalho ou até mesmo de uma festa qualquer.

Me senti só.

No mundo há em média sete bilhões de pessoas. Todas essas pessoas são formadas por sentimentos, aspirações, desejos, medos. Medos de algo, de alguém. Medo de sentir, de cair, viver. De olhar pra frente, de falar mais alto. Medo de perder alguém, de perder algo.

Às vezes é bom sentir medo. Significa que você ainda tem algo para perder; algo que ainda há razões para se lutar.

Enquanto eu caminhava até a grade da minha sacada, uma luz fora acesa na casa da frente e uma figura feminina apareceu. Seu corpo foi se espreguiçando e a mesma se sentou numa cadeira, enquanto apoiava seus braços na superfície da grade de sua sacada e as mãos em seu rosto, até que me viu.

A garota levantou suas sobrancelhas e sorriu, acenando. Devolvi seu aceno e ri ao ver que seu pijama era de bananas.

"Bonito pijama!" exclamei num tom audível.

"É o meu charme!" a estranha disse, piscando e levantando uma xícara, que só notei estar ali agora.

Decidi voltar para dentro, deixando a estranha ali, se deleitando do que havia no copo, distraída com o vai e vem da avenida.

O chão gelado fazia minha pele arrepiar-se e eu permiti que meus músculos tensos relaxassem quando senti minhas costas colidirem com o colchão macio da minha cama.

Sinto saudades de casa. Sinto saudades dos meus amigos de infância, do terceirão, de quando meu coração era pura música e pura poesia. Dos velhos amigos e de me sentir em casa.

Há alguns anos atrás, se me dissessem que eu estaria fazendo medicina em São Paulo - na selva de pedra, São Paulo, eu diria que era tudo aquilo que eu mais queria na vida. E foi, um dia realmente foi. Mal sabia eu que meu coração tava era em Araguaína, nos cantos, na poesia, na arte de viver da arte. Medicina? Um curso lindo. Incrível.

AntídotoOnde histórias criam vida. Descubra agora