Meu avô não durara muito mais de quatro meses e nesse meio tempo eu passara na chácara com os dois, ajudando no que fosse necessário.
Antes de irmos para enterro, minha avó pediu que eu deixasse minhas malas prontas, pois ela não queria que eu a visse num período tão difícil e um tanto depressivo de sua vida. Em suas palavras, não faria bem para mim.
Malas feitas, partimos para o velório. Passei a madrugada caindo de sono, até adormecer no colo de minha avó. Estava num sono pesado e só acordei quando senti seu corpo estremecer e sua voz soar grave, um pouco acima de mim:
-Como você tem a cara de pau de aparecer depois de todos esses anos?
-Ele era meu pai, tenho tanto direito quanto você, mamãe. –uma voz desconhecida por mim respondeu, o "mamãe" pronunciado com tanto desprezo que quase me fez querer levantar e enfrentar quem quer que você.
Mas espere um pouco... Mãe? Minha avó só havia tido uma filha em toda sua vida, então não restavam duvidas de quem fosse. Mas o que ela faria ali e depois de todos esses anos? Era isso que eu mais me perguntava e contive com todas as forças a vontade de virar-me e encara-la. Mesmo depois de tudo, eu precisava tanto vê-la, saber se éramos idênticas com meu pai dizia.
-Elena, vá embora. –dizia minha avó, entre suspiros e parecendo cansada. -Você nunca gostou de nós e deixou isso bem claro ao abandonar a própria filha.
-Nunca tive filha nenhuma... –retrucou ela. E continuou, mas não tive coragem para repetir o tanto de coisas ruins sobre mim ditos pela aquela mulher, não tendo sequer noção de que eu estava bem á sua frente. –E quem é essa menina aí, outra lixenta que pegaram pra criar?
-Não, Elena, essa é a menina que você se recusou a criar.
Ao abaixar o olhar e me ver de olhos abertos e atentos, minha avó empalideceu e uma lágrima desceu de seus olhos tristes. Tomei coragem e virei-me para a mulher, tentando gravar suas feições com o máximo de ódio possível.
Aquela mulher não poderia ser chamada de mãe, era um monstro sem coração que julgou a própria filha sem sequer conhece-la. Eu era só uma criança e isso não a dava nenhum direito de ter um horror tão grande quanto o que estava estampado em seu rosto ao me ver.
De olhos arregalados e claramente abalada, ela ignorou totalmente a minha presença e voltou a falar com a minha avó.
-Então mamãe, aposto que o papai pôs meu nome no testamento, certo? –o desprezo em sua voz ao pronunciar "mamãe" se fez presente mais uma vez. Ela sorriu com frieza. –Não que eu precise, mas quanto mais melhor, claro.
-É claro. –minha avó riu sem emoção e abraçou-me um pouco mais forte. –Você só veio por isso não é, sua víbora maldita? Saia daqui se tem um mísero respeito pelo seu pai!
Vi a mulher bater os saltos contra o piso de forma irritada e abrir outro sorriso irônico.
-Eu não tenho, e é por isso que vou ficar até lermos o testamento.
-Sobre isso, pode ficar tranquila. –disse minha avó. –Seu nome não está nele, ao contrário do da sua filha, que ganhará tudo aquilo que você ganharia e mais um pouco. –antes que minha mãe pudesse retrucar, minha avó continuou. –Já que não preza nem pela alma do seu pai, preze pela sua e saia antes que eu mesma te mate.
Elena deu as costas para nós com os olhos queimando em chamas de fúria e passou pelas portas que levavam á rua. Os estalos de seus saltos contra o chão da calçada a acompanharam até ela entrar num carro pela porta traseira e deixar o lugar cantando pneu.

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Fucking Girls
Teen FictionAtrás da frieza e de toda maldade, existe um coração partido.