Lust Affair - Série Affair v.1

Capítulo 01 - Lara

Estou sentada na banqueta branca que combina com a decoração da cozinha, meus cotovelos escorados sobre a bancada, enquanto meus olhos observam detalhes da casa que eu nunca havia notado. Meus ouvidos prestam atenção no silêncio denso do interior da casa, consigo ouvir meus pensamentos tão alto e claro que parece que estou conversando com alguém. É a primeira vez que entro em casa desde o dia em que tudo mudou, o cheiro de casa fechada, o pó sobre os móveis e as coisas espalhadas do jeito que ficaram desde aquele dia me davam a impressão de ter voltado no tempo, mas eu sabia que isso era uma coisa que eu jamais poderia fazer.

Comecei a caminhar pela casa, tentando achar um jeito de me encaixar nela novamente, por mais que eu olhasse e conhecesse cada objeto dela hoje parecia ser tudo de outro planeta. Subi os degraus da escada até o meu quarto, eu lembro de ter deixado uma toalha sobre a cadeira da minha escrivaninha, meus livros estavam em cima da minha cama e tenho certeza que eu não havia guardado todos os meus sapatos, sabia que estava um pouco bagunçado, e pelo tempo que passou o cheiro não seria agradável.

A casa estava "virada do avesso", bem do jeito que havíamos deixado. Sentei na cama e abracei meu travesseiro, sentia falta dele, por mais que minha tia tivesse as roupas de cama limpas e travesseiros novos, nada substituiria o meu, nada substituiria as minhas coisas. Eu não sabia que voltaríamos tão cedo para casa. Mas quando minha tia e meus primos começaram a dar dicas sobre como a casa era pequena e em como a luz e os gastos com alimentação haviam aumentado eu sabia que deveria me retirar. Não sei bem como explicar, mas descobrir que você não poderia contar com os únicos parentes que tem é quase como levar uma rasteira do seu melhor amigo.

Era difícil estar ali, eu não sabia muito bem o que pensar ou sentir, estava perdida e tentava decidir o que começar a fazer primeiro. Apenas olhava para os lados tentando consertar as coisas com o poder da mente, quem dera eu pudesse ser uma heroína típica das histórias em quadrinhos.

Fui até o quarto de Nicole e a encontrei sentada próxima a janela, abraçada no seu urso de dormir com o olhar perdido do mesmo jeito que o meu. Podia sentir a dor dela ao voltar para casa, podia sentir ela se lembrando dos momentos que passamos juntas aqui dentro, felizes. Para a nossa paz de espirito e nossa saúde mental, precisávamos estar ali, com as nossas coisas, na nossa casa, sem dar despesa para ninguém.

Um mês havia se passado desde o acidente, minha tia havia tomado conta de nós durante esse tempo, me ajudou a cuidar das burocracias e me orientou com as coisas. Apesar de tudo, sou grata pelo que ela fez. As coisas iriam ser diferentes a partir de agora e eu, como se tivesse caído de paraquedas de um avião, iria tomar conta de tudo. Sozinha. Nicole precisava de mim e eu dela, seríamos nós contra o mundo. A dor jamais iria sumir, mas sei que com o tempo ela seria suportável, até chegar ao ponto de quase nem senti-la.

Parada cardíaca. Ela enfartou quando não havia ninguém em casa, ninguém para socorrer ela. Quando cheguei em casa e a encontrei desacordada eu perdi o chão, lembro do exato momento em que tive que ligar para o 192, quando me pediram para checar se ela estava respirando, o tempo que os paramédicos levaram para chegar. Era tarde demais. Nicole e eu havíamos perdido a pessoa mais importante na nossa vida.

Como eu deveria proceder?

Nicole tinha apenas onze anos, e eu teria que cuidar dela e de mim, providenciar alimento, roupas, pagar a prestação da casa, conta de luz, água, eu teria que trancar a faculdade, Nicole teria que ir para uma escola pública. O dinheiro que tínhamos na poupança não seria suficiente para tudo. Descobrimos que a loja de doces da minha mãe estava falida, as contas estavam no vermelho e ele devia dinheiro para o banco. Os problemas financeiros tiraram a vida da minha mãe. Ela estava suportando tudo de forma silenciosa, se estressando e se esforçando para manter as contas que Nicole e eu fazíamos para que não soubéssemos de nada.