Capítulo quatro

28 5 4
                                    

Duas semanas se passaram enquanto tudo retornava a normalidade. Alguns membros da alcateia ainda me olham com algum ressentimento, mas também percebo o quanto é difícil para eles olharem-me sem que não se lembrem de que perderam filhos, companheiras, irmãos ou outro ente-querido.

- Pronta Liah? – Desvio o olhar do meu corpo e encaro Sandra pelo espelho. Ela ficou connosco, aliás, assim como a outra humana, Lisa. Para deleite de Valério e Artur.

- Nem por isso. – respondo quando afasto a minha divagação.

- Como não, mulher? – inquire falsamente chocada. – É o teu dia. – Ela pisca o olho e avança até mim. – Estás maravilhosa.

- Não achas demasiado vermelho? – pergunto incerta.

- Acho que se adequa perfeitamente para a ocasião.

- É apenas o meu aniversário. – digo no esgar. Nunca gostei deste dia, era sempre o pior da minha vida.

- Que deve ser celebrado da melhor forma, acredita. Agora vem. – ordena e eu sigo-a insegura.

Atravessamos a casa, que se encontra silenciosa e nem viva-alma para dar sinal de vida.

O meu coração bate desenfreadamente no meu peito, sinto-me assustada, com medo. Mesmo tendo Mateus do meu lado todos os dias, ele nunca - em momento algum – me reclamou como companheira. E isso é o suficiente para me deixar a cada segundo mais nervosa.

Sandra para de frente à porta do salão, esta encontra-se fechada e Lisa aparece com um sorriso imenso no rosto.

- Pronta?

- Se disser que não, ajuda em algo?

- Na. – Ambas respondem ao mesmo tempo e eu suspiro ao mesmo tempo que deixo descair os ombros em derrota.

Lisa sorri-me e juntamente com a Sandra abrem a porta. Ofego quando vejo toda a alcateia presente, abrindo caminho para que eu entre. Mateus encontra-se no trono, em pé de frente à sua cadeira e abre um sorriso para mim. É o suficiente para que o meu peito se encha não só de coragem, mas de orgulho dele.

Avanço lentamente para ele porém paro automaticamente quando todos os presentes se transformam na sua forma lupina e uivam. Olho-os com receio e de seguida olho para trás. Lisa e Sandra estão na sua forma humana, bem uma tem de estar mesmo, não tem outro remédio. Sandra arqueia o sobrolho para mim e Lisa encara-me com um ar de o que raio é que estás à espera? Avança.

Encho o meu peito de ar e avanço até Mateus. Paro por fim à sua frente e ele segura na minha mão, beijando o interior do meu pulso.

- Por instantes pensei que irias fugir. – murmura num tom provocador.

- Foi só por uns instantes. – digo envergonhada. Mateus arqueia o sobrolho e de seguida coloca-me ao seu lado.

- Agradeço a todos por estarem presentes neste dia especial. – diz olhando em redor e depois para mim. – Duplamente. – acrescenta com um sorriso tentador nos lábios. – Eu, Mateus Ruschel, alpha da alcateia Wolfren, reclamo-te a ti, Liah, como minha companheira.

Olho-o completamente surpresa e isso arranca o sorriso de Mateus, quando não respondo, devido ao meu choque pois nunca pensei que ele o fizesse assim, vejo-o como arqueia o sobrolho e engulo em seco.

- Eu, Liah. – Tal como ele fez, descarto o meu sobrenome. – Aceito-te, Mateus Ruschel, alpha da alcateia Wolfren, como meu companheiro até à minha morte e depois desta.

Uivos e os sons das garras a rasparem no chão do salão se fazem ouvir. O meu coração bate desenfreado no meu peito, ameaçando abrir um buraco no mesmo. Pergunto-me se ele irá marcar-me aqui mesmo, ou esperar até estarmos a sós. Antigamente, quando o macho reclamava a companheira, este marcava-a e montava-a em frente de todos. Aos poucos e com o passar do tempo, esse habito foi-se perdendo, contudo, não foi esquecido.

As mãos de Mateus pousam sobre os meus ombros e sinto-me tensa. Não somos uma raça pudica, contudo, é mais do que óbvio que preferia que o momento fosse só nosso. Sem testemunhas.

- Relaxa. – Oiço-o murmurar ao meu ouvido. – Não estás mesmo a pensar que vou reclamar-te aqui, certo?

- Desculpa. – murmuro. – Sei que não farias isso, culpa dos meus nervos, surpresa e tudo mais. – Olho para ele e sorrio. Os seus lábios repousam sobre os meus e viro-me uma gelatina completa.

- O que é meu, não é para ser visto pelos outros. – comenta divertido e eu sorrio. – Vamos à festa! – Grita quando se afasta um pouco de mim.

Sou guiada por Mateus até à cadeira imensa de pele vermelha que se encontra ao lado da dele, sento-me e ele senta-se ao meu lado enquanto uivos se misturam com a música. Observo fascinada os presentes a dançarem, uns em forma humana, outros, em forma lupina e sorrio.

A mão de Mateus segura na minha e eu olho na sua direção. O seu olhar reflete algo que não consigo entender e inclino a cabeça de lado, onde tento decifrar o seu olhar. Ele dá um pequeno sorriso e de seguida levanta-se, coloca-se à minha frente e ajoelha-se.

- Que estás a fazer? – sussurro.

Ele não me responde por palavras, não para já. Os seus lábios capturam os meus, num beijo carinhoso, suave contudo possessivo. Instintivamente, levo as minhas mãos até aos ombros de Mateus e puxo-o para mim. Quando ele se afasta, estamos ambos ofegantes.

- Eu amo-te, sabes isso não sabes? – Aceno em concordância. – És a minha alegria, e não imaginas o quanto feliz estou e orgulhoso de ti.

A minha linha d'água fica preenchida.

- Amo-te com todo o meu ser. – Digo. – Desde sempre.

- Oh por amor aos santos, arranjem um quarto, os vossos fluidos já me estão afogar os pés! – O tom trocista de Sandra fez-me corar e Mateus dar uma gargalhada.

Mateus levanta-se e encara-me. Estende a mão na minha direção e eu pego-a, levantando-me em seguida.

Ele pega-me ao colo e sai comigo do salão, oiço os gritos animados dos presentes e enterro o meu rosto no pescoço de Mateus, ocultando a minha vergonha.

FIM

Trono Carmesim - ContoOnde histórias criam vida. Descubra agora