Capítulo 18

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         ― Eu sinto muito... ― Ela mal conseguia falar. O pranto irrompia pela garganta incontrolável. Havia uma adaga longa perfurando a alma e Izabelle apertava aquela mão fria e grande como se, a partir do momento em que a largasse, seu mundo inteiro se desfragmentaria. ― Eu amo você, Lutz... ― Falar aquilo era como desferir outra facada em si mesma. Doía. Doía tanto. ― Mas escolher você... ― Ela se envergou, soluçando, até que os lábios estivessem roçando na pele fria de Lutzhöge. ― É abdicar da dádiva de Deus... E isso... ― Izabelle não conseguia completar a frase. Era como escolher morrer em dois lugares diferentes. O silêncio longo e cru se fez por muitos minutos, interrompido apenas pelo som do choro e da respiração alta, até que o sussurro lôbrego soasse pelo cômodo:

― Eu não posso fazer isso, Lutz... ― Ela apertou a mão masculina em desespero. ― Eu não posso dar as costas para Deus! Mas cada vez que penso... Que está ai por minha causa... ― Os dentes trincaram. O coração em frangalhos. ― Senhor, por favor, tenha misericórdia de mim... Por favor, me ajude... Me faça entender... Me faça compreender e ter sabedoria, Senhor... Por favor... Não me faça escolher... Por favor...

Naquele momento, a porta do quarto abriu e Helina entrou em silêncio, mas Izabelle sequer se moveu. Ela continuou abraçada na mão de Lutzhöge, incapaz de se desprender do único toque que já desejara na vida.

― Izabelle... ― Helina tocou o ombro que tremia violentamente, com carinho. ― Eu sei o quanto é difícil... Eu já estive na mesma posição que você está agora...

Ela continuou chorando. As lágrimas escorriam pela ponte do nariz e pingavam na pele masculina.

― Parece que vou dissolver... ― O timbre foi doloroso, tanto que arrancou um calafrio da mulher em pé. ― Parece que vou derreter e morrer... Helina... ― Izabelle apertou mais a mão de Lutz, puxando-o levemente para mais perto. ― Por favor, me ajude...

― Você sabe que pode resolver isso. ― Naquele momento, talvez, tivesse sido mais fria do que o desejado, mas ainda assim, houve carinho na voz consternada. ― É uma decisão difi-

― Eu escolho Deus... ― A loira a interrompeu em prantos. ― Eu escolho Deus nem que eu morra por dentro... Nem que eu nunca seja feliz, que eu nunca possa amar alguém... Além...

A mão que apertava o ombro intensificou o aperto e Helina se abaixou ao lado de Izabelle.

O coração apertado.

― Eu... Sinto muito, Izabelle...

― Pode... Me deixar um pouco sozinha...? ― O toque que sentia imediatamente desapareceu, e depois de um segundo ou dois, ela escutou um complacente "tudo bem", antes de mais uma vez, se ver com Lutzhöge, completamente sozinhos naquele quarto frio.

Izabelle fechou os olhos. Uma profunda respiração enquanto acomodava a lateral do rosto no peito da mão masculina.

Em pensamentos. No mais profundo de seu mais inocente, e ainda, profano espírito, clamou por uma ajuda nunca antes ofertada.

Não foi um pedido desesperado, repleto de angustia. Aquele fora um pedido calmo, honesto, tanto quanto poderia ser em sua mais visceral essência.

Izabelle Alexiel clamou pela iluminação de seus pensamentos. A chama interna ardendo poderosamente em busca de uma única palavra esclarecedora que fosse.

Deus...

Foi quando aquele cheiro de relva invadiu suas narinas, e ela respirou mais profundo para ter certeza de que aquilo fazia parte de sua lucidez. Mas, em seguida, veio o vento. Era leve, mais como uma brisa batendo com delicadeza, e teve de reabrir os olhos.

O que viu foi completamente encorajador. Um grito de esperança dentro da desolação.

Aquele vasto campo era verde, contemplado por um absolutamente límpido céu azul, por onde pássaros que mais lembravam pequenos borrões voavam ao longe.

Novamente, inspirou aquele ar como se fosse o último respirar de sua curta, e até agora patética, vida.

― Anjo... ― A voz que surgiu era mansa. Tão mansa e tão calma que fez um calafrio perverso varar Izabelle dos pés à cabeça.

Ela duvidou, apesar de sua paz de espírito, se aquele era mesmo Deus.

― Dúvida de mim... ― Foi a resposta de sua pergunta profana. ― Não é...?

― Perdoe-me, Pai... ― Os olhos da loira se encheram de lágrimas quando aquele arrebatamento de paz atingiu seu espírito como uma ferida fatal que rapidamente esvai a vida e atinge a morte.

A sensação de flutuar, ainda que com pés fincados no chão. O verdadeiro mar de emoções revolvendo o espírito e fazendo lágrimas transbordarem incessantemente.

A paz absoluta, a calma mais completa reinou dentro de Izabelle, e como uma humana divina que era, uma jovem humana despertando Anjo, ela chorou silenciosamente, com um sorriso largo nos lábios trêmulos.

Não houve forma. Não houve aparição.

Mas ela sabia que Deus estava bem ali, em sua frente, como se fosse um homem comum, como ela aparentava uma mulher comum.

Olhando em seus olhos.

Respirando seu ar.

Sentindo e tomando seus medos como se degustasse da mais cristalina e pura água.

Deus lavou seu espírito de maneira inigualável e Izabelle não conseguia acreditar em tamanha bondade. Tamanho poder.

Era poderoso.

A coisa mais poderosa que pudera um dia imaginar existir ou habitar.

Bem ali, existindo e habitando o mesmo espaço que seu frágil e impuro corpo mundano.

― Arcanjo Alexiel... ― Quando Deus chamou, houve uma queimação na pele de Izabelle. ― Abra os olhos...

Nove Vidas - (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora