Parte 1

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Trago-lhes mais uma criação minha. Espero que gostem. Esse é um conto antigo meu, que fiz inspirada num clássico, mas com uma releitura mais regional/local. Espero que se divirtam tanto quanto eu me diverti.

Morava numa casa distante, rústica e modesta. Mal tinha um local certo para dormir ou comer, os cômodos da casa se fundiam num único só. A casa era um cômodo. Além de um incômodo. Ficava nos fundos de uma fazenda. Morava de favor, servia de empregada doméstica para a dona da fazenda. Uma viúva rica e muito egoísta. O calor intenso, a pouca chuva e a escassez de alimento deixava qualquer um duro como pedra e mais seco que um toco no meio da terra vazia.

Todos a chamavam de Branca porque, mesmo andando léguas no sol, ela ainda ficava branca. Realmente, Branca ficava vermelha ao chegar do poço que fica a um sexto de légua. Era como os moradores indicavam a distância a ela. Mas na vista deles, parecia branca feito os ossos dos animais ressecados e perdidos no tempo.

Não sabia ler, escrever ou contar. Só sabia o suficiente para não desapontar sua patroa, que gostava de ser chamada de Rainha, por ter a maior fazenda da região. Branca tinha 15 anos de idade, agora estava aprendendo a ler com a cozinheira da casa grande. A cozinheira, chamada Tonha, tivera pena e ensinava as primeiras letras.

Branca se esforçava em tudo. Leitura, escrever e trabalhar. Possuía uma extrema dificuldade para escrever e ler, não conseguia juntar as ditas letras e formar palavras. Tampouco conseguia escrever. Era uma tarefa complexa comparada aos seus outros trabalhos: cozer, cozinhar, lavar, passar, consertar coisas e outros trabalhos.

-Oxe, Branca! Se esforce! Bora! B com A, dá?! – indagava Tonha, mostrando-lhe as letras em um papel surrado.

-B com A... B com A... – Branca levanta-se indignada consigo mesma – Eu num sei!!! Num adianta, Tonha!!! Num sei!!! Num consigo, nem que a vaca vire do avesso e cante ingual a sabiá!!!

- Dexe de bestera!!! Tu num me disse que queria lê pra í simbora! Í mora na serra! Pois vamo! Leia ligero! Responda logo o que dá B com A!!!

- Mas eu num sei ,Tonha!!! Dessas coisa eu num entendo nem um caroço de piqui! Nunca ouví dizê que pra morar na serra pricisava lê e escrevê! – Branca batia o pé no chão de raiva que sentia.

- Mas minha fia... Moça que mora lá nas artura, que mora na cidade, onde tudo se faz, tem que sabê lê as coisa e escrevê!

- Oxe... Mas... E pricisa mermo Tonha?

-Oxe! Aí é que pricisa mermo! Muié tem que sabê é de tudo no lugá do marido e se quisé í pra serra, vivê lá e sê moça direita, pricisa sabê dessas coisa.

Branca começa a chorar. Sabia que o que Tonha diz é verdade. Sabia que as moças precisavam ser prendadas para arrumar bons maridos e se não se esforçasse, jamais conseguiria um marido que pudesse lhe dar uma nova vida. Branca senta-se e começa a pensar, mexe no papel, olha para o alto. A jovem sempre olha para o alto quando busca uma resposta. Uma mania, desde pequena.

- Bá! – Branca grita toda sorridente!

- Pois é isso mermo minha fia! Bá! – Tonha abraça Branca com carinho.

- B com A, bá, B com E, bé, B com I, bi, B com O, bó, B com U, buuuu!!!!- brinca Branca fazendo careta para Tonha. A preta ria com a brincadeira, gargalhava junto com a menina. As duas voltam a observar o papel e Branca prossegue com a repetição para memorizar bem cada nova sílaba.

- Branca!!! - grita a Rainha, interrompendo as risadas.

- Já vô!!! – Branca responde – Mais tarde nois treina né?

BrancaOnde histórias criam vida. Descubra agora