A mãe

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Ela havia se preparado a vida toda para ser uma mãe. Amava seu trabalho domestico. Organizar as gavetas da cozinha, arrumar seu filho de 6 anos para ir para a escola, deixar a casa arrumada e perfumada. Isso tudo significava alegria, realização. Alegrava-se imensamente ao saber de uma nota boa ou de um trabalho bem apresentado por seu filho. Ver o brilho nos olhos acinzentados de seu primogênito significava que seu trabalho estava dando certo, significava que a humildade havia se instalado em sua alma. E sua felicidade não parava por ai. Ver seu marido chegar cansado do trabalho e esperar um beijo amoroso de sua amada era como ver o paraíso a sua frente. Estava realizada. Era como dormir e acordar nas praias da Grécia.

Mas tinha uma coisa que a deixava ainda mais radiante. A semelhança entre seu filho e seu marido. Eram extremamente parecidos. Ninguém nunca diria que não eram pai e filho. Eram mesmo, um a cara do outro. Os mesmos olhos cinza azulado, num formato um tanto singular, pequeninos e arredondados, na maior parte do tempo, exceto quando se irritavam. Isso fazia com que se arregalassem e parecessem duas bolas de gude. Tinham ainda o mesmo cabelo ruivo acastanhado em cachos grossos e definidos, a boca pequena e rosada, no formato de um coração. Mesmo tipo físico e até voz, mesmo que o filho tivesse apenas 6 anos. Olhar um, era como ver a imagem do outro no passado, ou no futuro. E isso era incrível, pois quando ela estava na companhia do filho, sentia-se na presença do marido e vice versa. Ou seja, estava sempre perto dos homens de sua vida e era isso que havia pedido a Deus.

Porém, numa quarta-feira á tarde, a mãe saiu do supermercado onde fez as compras do mês e foi ao seu carro. Era uma tarde nublada, quase como um presságio de tudo de ruim que estava a acontecer. Mas a mãe, obviamente, não tinha nenhuma ideia do que ia acontecer. Alguns metros antes de chegar num semáforo próximo a sua casa, havia uma escola que estava funcionando á tarde também, portanto, a placa de parar e diminuir a velocidade era válida àquela hora do dia. Como uma mãe responsável e cuidadosa, ela o fez. Porém o senhor do carro detrás, não prestou muita atenção e a batida foi inevitável. Assim que aconteceu ela chocou-se com o volante, já que o airbag estava com defeito e só seria acionado alguns segundos depois. Machucou a cabeça, mas estava consciente e precisava ver o estado das outras pessoas envolvidas e do carro. Olhou cuidadosamente ao seu redor para ver se tinha algum foco de incêndio ou algo que impedisse sua saída do veiculo. Como sua visão não detectou nada, cautelosamente abriu a porta e saiu do carro. Sua cabeça doía bastante, mas precisava ligar para o marido, pois não sabia quanto tempo levaria até resolver parte das coisas e voltar para casa. Depois de ter ligado para o marido, informado do acidente e checado como seu filho estava, ela caminhou ao redor do carro, para ter uma noção do estrago. Havia sido grande. A parte de trás de sua Hillux estava praticamente destruída, imaginou então o estado do outro carro. Não estava preparada para ver o que estava por vir. A batida tinha sido tão forte, que havia dobrado toda a nave do carro de trás, que agora parecia estar fundido com a traseira do seu carro, num beijo violento. Não precisaria nem olhar para a pessoa que o dirigia para saber que havia sido fatal. E não foi nada menos que isso. Ela, sem querer, havia matado uma pessoa.

Alguns minutos se passaram de pura angustia e medo em seu coração até que a policia chegasse. Ela tentou manter a calma, mas seu corpo não respondeu dessa maneira e assim que viu as viaturas chegando, vomitou tudo que havia comido e em seguida desmaiou. Acordou mais tarde num hospital, sem saber por quanto tempo tinha ficado desacordada. Ao seu lado estava seu marido. Tinha deixado o filho em casa com sua avó para que nada ais abalasse o estado emocional da mãe. Havia descoberto que a segunda vitima tinha morrido de infarto e traumatismo craniano com a batida e que era um senhor aposentado que morava com sua filha e neta a poucos quilômetros de distancia da casa deles. O marido juntamente com a esposa se prontificou a ajudar com o funeral e enterro e no que a família precisasse nestes tempos tão tristes e fúnebres. Se fosse necessário, a mãe cuidaria da neta, para que a filha desse senhor pudesse organizar tudo que deveria ser organizado em sua vida a partir desse trágico momento. A família foi bastante grata e tranquila em relação à posição que eles estavam tomando e aceitaram toda ajuda que eles pudessem dar. Corria tudo bastante calmamente dentro do possível para aquela situação.

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