Capítulo 1

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1770
Palacio dos Capitães Generaes, Villa Bella da Santíssima Trindade
Estado do Brazil


O silêncio impera no Palácio. O senhor do Morgado de Balsemão, D. Luís Pinto de Sousa Coutinho, está sentado à uma mesa grande de madeira, rodeado de mapas e documentos, escrevendo. O fraco ruído da pena riscando o papel é o mais alto dentre os sons audíveis dentro da sala. Pela posição do sol, faltam três quartos de hora para as Vésperas.

De repente, o barulho de passos pesados e rápidos inunda o ambiente, terminando com a abertura da porta.

– Capitão! Capitão!

– Eia! – grita o capitão, erguendo-se da cadeira assustado – Pompino! Queres me matar? Olha cá o que fizeste!

Joaquim Lopes Pompino parou, sem ar, frente ao capitão-general. O respeito que sentia pelo militar – tenente-coronel desde os 30 e grande pensador bélico – fê-lo sentir de forma ainda mais impactante as palavras gritadas do capitão e o estrago que havia feito. Manchando o chão do Palácio dos Capitães-Generais, sede de Governo da Capitania de Mato Grosso, estava a tinta com que dantes escrevia D. Luís.

– És um desastrado mesmo! Como podes entrar desembestado cá no palácio e esperar que nada ocorra? Sorte a tua que eu havia terminado essa ode, ou o negócio viria a ficar feio... – o capitão percebe, no olhar de Pompino, que algo está errado – Mas diga-me, Pompino: o que te aflige?

– As notícias que acabo de receber, D. Luís – exclamou um pálido Pompino – Elas são terríveis!

– Mas deixa de silêncio, homem! Fala logo o que houve!

– A bandeira está voltando, D. Luís. Estão a trinta léguas da cidade.

– E por que isso seria ruim? O quilombo ainda está de pé?

– Não, não. Foi derrubado. Inclusive, rainha There...

– Eia, Pompino! Mas o que vosmecês têm? Nesse ponto, devo concordar outra vez com o Conde d'Azambuja, D. Rolim de Moura: o povo daqui é muito avezado a tratar os pretos brandamente. Vai lançar-te com os negros agora? Rainha, aprenda, é só D. Mariana Vitória, esposa d'el-Rey D. José! Entendido?

– Perdoa-me, Capitão...

– Pois prossiga.

– Pois que Thereza de Benguela está morta.

– Mas que notícia boa! Aí sim um facto para alegrar-me o dia! Aposto que o Senado da Câmara e os mineradores hão de adorar a nova. Capaz até que... Bem, fiquem minhas conjecturas e suposições para depois. Diga-me como que a preta morreu a fim de sanar-me a curiosidade.

– Pois que ninguém sabe, Capitão. Os batedores vieram confusos. Para uns, morreu por ficar sem comer, ao ver o Quariterê destruído. Para outros, suicidou-se com ervas que levava consigo. E ainda há quem diga que foi um dos bandeirantes que a matou.

– Bem, de que importa? Vale é que está morta e, o Quilombo, destruído.

– Esse é o problema, Capitão! Os canhemboras já disseram que farão o possível para vingar a derrota e a morte de Thereza. E fazem já seus rituais para ressuscitá-la ou algo assim.

– E o que tenho com isso? Deixa esses demônios aí fazerem o que quiserem. A cruz de Cristo, da qual El-Rey é o defensor, há de proteger-me dessas artimanhas do Maligno e dos seus servos pretos.

– Mas...

– Ora, Pompino! Estás a tremerde medo por conta de pretos? Pois bem. Disseste que Thereza jaz morta, não?Pois manda que decepem-lhe a cabeça e coloquem-na pendurada em um mastro alto.Hei de ver se isso não há de pará-los - um sorriso surgiu no canto dos lábiosde Sousa Coutinho - Agora, Pompino, suba a carreira pela qual vieste e vê se abandeira está muito longe. Avisa aos sertanistas e levadores que serão eles bemrecompensados, com o preço sendo pago por mim, o Senado da Câmara e osmineradores de quem os escravos fugiram, conforme o prometido. Enquanto isso,hei de ir preparar o grande evento de hoje e de amanhã – nada melhor do que umafesta para celebrar tão boas novas! Os achaques destes pretos duraram já muitotempo. Juro por minha mãe, D. Josefa Mariana Madalena Pereira Coutinho deVilhena, que isso não há de ficar assim! Hei de pagar-lhes anoveado, haja o quehouver!

678 palavras

O Quilombo Maldito (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora