Se eu contar você não vai acreditar...

o marido

   O maior sonho de sua vida era se casar, havia entrado para o clube das balzaquianas há mais de uma década e precisava priorizar algumas metas.  Casar-se até o fim do ano era uma questão de vida ou morte.
   Sua mãe sempre dizia que depois que trinta tudo fica mais difícil.
   - Já trintou? perguntava a velha sempre que conversava com alguma solteirona.
   Casar-se antes dos trinta  era um conceito de família, por isso aos 15 anos todas já estavam liberadas para o casamento, mas ela infelizmente  com 43 anos ainda estava encalhada.
   liberada para o casamento ela também foi, mas o problema eram os pretendentes... cada figura que só por Deus! Então ela foi escolhendo, afinal não podia se portar como louca catando papel na Ventania, era preciso serenidade para encontrar a tampa certa para sua caçarola. Só que o tempo foi passando, os pretendentes escasseando e agora ela percebeu que havia escolhido demais.
   - A Fila Andou garota! Disse a si mesma. Mas nem tudo estava perdido, ainda tinha esperança ...nem era tão velha assim.
   Resolveu mudar o visual.
   Foi ao salão de beleza, tingiu os cabelos, fez as sobrancelhas, comprou roupas mais modernas. Ela que era bonita agora estava linda! Irresistível! Mas ainda faltava uma coisa: O conselho da melhor amiga.
   Naquele fim de semana saiu com Dorinha para tomar um chopp, conversar, mas  amiga, como todo mundo sabe,  tem o dom de convencer.
   -Amiga, o problema de ainda estar solteira não tem nada a ver com o que você está pensando. Atualmente homem anda escasso mesmo! não adianta ir para a balada, se expor desse jeito... assim só vai atrair tranqueira. E esses namoros de internet sai fora que é rolo! Você quer casar não é? então me ouça, o que você precisa é fazer uma promessa.
   Uma promessa para Santo Antão.
   A filha de uma amiga da vizinha da prima de Dorinha havia feito uma promessa que foi tiro e queda! Se hoje  está casada e feliz é graças ao santo.
   -Amanhã bem cedo passo na sua casa e te acompanho até a capela de Santo Antão. Ele é muito mais eficiente que Santo Antônio, que diga-se de passagem só tem fama. Se fizer a promessa direito em três meses estará  casada. dúvida?!
   Ela não botou fé, mas naquela altura do campeonato estava apelando para tudo! Simpatia, benzimento, promessa e até macumba. Só não podia continuar solteira. Pior -ela não tocava no assunto- o real motivo do seu desespero era o fato de ainda ser intacta aos 43. Sabia que virgindade só era curável se detectada a tempo e o tempo voa...
   No dia seguinte foram as duas até a capela de Santo Antão. Para começar rezaram um terço como suborno,  fizeram meia dúzia de agradecimentos e começaram as petições.
   Dorinha aproveitou a oportunidade para pedir um marido também. Ela porém  foi mais direta, expôs a sua terrível situação ao santo, prometeu que se ele a atendesse faria um oratório em frente à sua casa como agradecimento e falaria para todo mundo do seu milagre. Isso o tornaria mais conhecido, afinal ela mesma nunca tinha ouvido falar do tal Santo.
   Promessa feita, promessa atendida! Só não imaginava que seria tão rápido!
   Ela cruzou a rua que dava para a Praça em frente à igreja e lá estava ele sentado no banco. Quando a viu levantou-se sorrindo e caminhou em sua direção.
   Seu coração estremeceu!
   Ele foi logo dizendo:
   -Oi, tudo bem? Não se lembra mais de mim? Sou o Castilho, filho do seu João do açougue. Quanto tempo! Acabo de voltar ao Brasil. Morei dois anos no exterior (paraguai) trabalhando no ramo de importados. Nunca imaginei encontrá-la por aqui...
   Ele não parava de falar, estava eufórico, não cabia em si tamanha satisfação por reencontra-la.
   Quanto a ela lembrava-se muito bem do Castilho, afinal como esquecer aquela mala pesada?
   Estudaram juntos o ginásio, ele era seu maior fã.  Pegajoso... não saia do seu pé, mas com o passar dos anos ele até que ficou ajeitado. Quem sabe melhorou.
   -Então... continuou ele, gostaria de sair comigo mais tarde? A gente toma um suco, conversa, sei lá...
   Ela lembrou-se que não estava em condição de escolher, além do mais ele devia ser o enviado do Santo e o santo sabe o que faz. Então, respirou fundo, se preparou para ser feliz e respondeu:
   -Sim, eu topo sair com você.
   Ele:
   -Nem acredito! Sempre fui afim de você. Nunca imaginei que pudesse reencontra-la em tão grande forma. Está muito gata! Ainda está morando no mesmo lugar?
   Ela:
   - Sim..
   Ele:
   -Então mais tarde passo lá para te pegar.
   Ela:
   - Ok!
    Despediram-se com três beijinhos na buchecha e até mais.
   Dorinha quase não acreditou na rapidez do santo, estava morrendo de inveja, mas tinha que segurar a onda.
   -Amiga...apesar de gordinho ele até que é bonitinho. Benza Deus, que sorte!!!
   Bonitinho era bondade dela, mas quando não se tem muita opção...
   Quando chegou em casa, uma surpresa, alguém tinha lhe mandado flores. Sua mãe estava mais feliz que pinto no lixo, finalmente sua caçula iria desencalhar.
   Apressados no mesmo dia começaram a namorar.
   Passado um mês de namoro Castilho já falava em casamento.     Era um moço conservador, por isso sempre que conversavam sobre sexo ele dizia que isso não era a coisa mais importante e que aguentaria esperar até o  casamento, mas queria casar logo.
  Ela achava isso realmente romântico. Como Castilho havia mudado! Era um homem maduro, compreensivo, o parceiro ideal e no que dependesse dela seriam muito felizes.
   Dois meses de namoro e casaram-se na capela de Santo Antão, evidentemente.
   Foi um casamento simples, afinal tinham que guardar dinheiro para o aluguel. Não usou aquele vestido de princesa porque tinha que pagar a geladeira, a cama e o fogão, tudo comprado em suaves prestações nas Casas Bahia. Não houve lua de mel porque ele acabara de voltar ao Brasil e ainda estava desempregado. Os pais dele não puderam ajudar na festa pois o açougue tinha falido. Mas o que valia era o amor e Castilho a amava.
   logo mais à noite seria o seu tão esperado momento... mas não foi dessa vez. Castilho bebeu um pouco além da conta e dormiu no sofá. Mas era preciso paciência, o mais importante já havia acontecido, agora era uma mulher casada. Tinha sua casa, seu marido, logo teria seus filhos. Uma Família Perfeita!
   O tempo foi passando e o maridão revelou-se um péssimo amante. Na cama era um amador. Além de tudo bebia e isso prejudicava  a sua performance.
   Três meses de casada e todos notavam seu mal humor, sua irritabilidade e especulavam se o casamento estaria lhe fazendo bem.
   Os mais experientes viam nela a clássica figura da mulher mal amada. Não bastasse isso Castilho nunca saiu para procurar um emprego. Dormia o dia todo e a noite ficava assistindo TV.
   Ela, coitada, se matava trabalhando em dois empregos, pouco ficava em casa, sua vida doméstica resumia-se em lavar, passar e cozinhar.
   E as contas?! As gavetas estavam infestadas de contas!!! Água, luz, telefone,cartão de crédito, carnês das Casas Bahia... devia para todo mundo e o maridão cada vez mais folgado, sempre numa boa.
   Seis meses de casada e ela não aguentava mais. As pessoas reclamavam do casamento, mas ela não imaginava que fosse assim. Começou a achar que o santo tinha armado para cima dela. Foi rápido em atendê-la, mas  arranjou-lhe uma porcaria de marido!
   Um ano de casada e o santo tão elogiado nos áureos tempos de namoro agora se transformara em um monstro sem coração. Um ser impiedoso que por um ou dois terços coloca na vida de uma mulher indefesa um traste como Castilho.    
   Desgostosa destruiu o oratório e o santo a marretadas.
   Não aguentou, pediu o divórcio.
   Castilho concordou na hora, mas teria direito à pensão pois  ainda estava desempregado.
   Para se ver livre do maridão ela aceitou a proposta. Pagaria com gosto a pensão desde que não precisasse olhar para aquela cara nunca mais.
   No final deu tudo certo, Castilho está bem, sobrevive com a pensão paga pela ex.
   Ela continua trabalhando em dois empregos e sustentando vagabundo.
   Nessa história quem teve sorte mesmo foi a Dorinha, Santo Antão não ouviu a sua prece.