Capítulo 1

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Los Banos Acampamento de Prisioneiros
Filipinas
23 de fevereiro de 1945

Anjos caíam do céu no amanhecer amarelo, ondulando suas
asas brancas e sedosas como flocos de neve. Mesmo contra
as advertência guturais dos presos da mesma categoria que
ela, ela correu para o campo, vendo, fascinada, enquanto os
pontos brancos ficavam maiores. Era lindo demais. Silenciosos
e etéreos, eles acenavam pra ela. Chegue mais perto, eles
diziam. E ela fez isso, em pernas magras, finas como varas.

"Pare," a voz atrás dela respirou, covardemente
permanecendo atrás da porta rachada da cabana.
"Dakota! O buraco - você quer voltar pra lá?"

Ela nao deu ouvidos para isso, encantada com os anjos
que flutuavam para o chão, em pequenos ciclones de pé.
Nem mesmo a ameaça do buraco poderia parar o avanço dela.

De repente, o ar ficou violento com som e
movimento.  O grito dos guardas acordou o resto do
acampamento, e o grito dos presos se misturou com
o chocalho do fogo de artilharia.

Caos encheu as narinas dela, o cheiro picante de morteiro
e panico forçando suas pernas tremulas a se moverem.
Vá para a cerca - nao, vá para a segurança da enfermaria.
Os japoneses nao ousariam castigar um prisioneiro doente,
não é?

Bem, eles tinham ido embora há uma ou duas semanas,
deixando apenas dois homens na administração, e um
jovem guarda. Mas eles voltavam sem aviso, nao dizendo
nada, apenas olhando para os prisioneiros com ódio.
O orgulho dela, seu desafio claro, a fez ir de novo
para o buraco, enquanto os outros escorregavam para
dentro das cabanas.

Mas ela ficou firme, pois tinha certeza de que os Aliados
viriam salva-los. Mas agora, ela nao tinha tanta certeza.
Será que eles voltariam apenas para ter certeza de que
só havia sobrado cinzas e corpos carbonizados? Para soltar
os prisioneiros?

Os rumores que a invasão aliada era iminente voou pelo ar.
Os sons de bombardeios tinham enchido o ar ao norte. Sussurros
entre os prisioneiros mostravam contos sobre a liberação
em Manila, com a liberdade deles apenas do outro lado da
colina.

Mas ela estava aqui há muito tempo. E por isso, nao deu
crédito a isso. Nao. Ninguem viria ajuda-los. Eles seriam
simplesmente esquecidos, como uma criança que joga um brinquedo
velho fora.

O Exército japonês não tinha mais uso para eles também. E eles
nao hesitariam em esconder as mulheres, se isso significasse
esconder o tratamento delas nos ultimos meses. Ela soube
de um massacre na aldeia a sessenta quilometros deste
acampamento, só por capricho de um dos oficiais japoneses.
A luz da liberdade era escura, e o horror da vingança dos
oficiais japoneses era real demais.

Ela se lembrou de seu pai, de sua mãe, e quando os
viu por ultimo - seus irmaos, orgulhosos no uniforme azul da
marinha... Deus, Kate estava gravida no outono de 41...
tudo isso a fez ficar mais decidida. A cerca, ou a morte.

O corpo fraco dela tropeçou várias vezes, até que ela
caiu no chão. Rastejando, ela se recusou a se render, mas
a cerca, agora, era nada mais além de algo embaçado.
As faces risonhas dos guardas do acampamento vieram pra
ela. Ishimaru, o guarda com a perna torta, tomava conta
das enfermeiras, declarando que era desonroso viola-las.

E Zama. O médico desumano que usava os soldados inimigos,
e até mesmo os proprios japoneses, em experiencias que seu
governo desconhecia. Ela e os outros tremiam em horror quando
ouviam os gritos que vinham a cada noite na cabana proibida
na parte de trás do acampamento.

Eles sabiam o que acontecia lá, mas nao podiam fazer nada
para ajuda-los.  Ninguem se metia entre Zama e o que ele
fazia. E com certeza as enfermeiras brancas estavam nesse
meio. Embora o sangue delas estivesse estragado pelos
ideais capitalistas, a notoriedade para mulheres cativas
era demais para se arriscarem. Genebra sabia da existencia
das enfermeiras, e conhecia todas pelos nomes. Era melhor
elas serem mantidas vivas, e em boa saúde.

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