|QUATRO|

173 40 21
                                    

O calor do peito de Sheevey e do lençol que ele encontrou sobre a poltrona de couro velha da biblioteca me tentam a cair no sono. Fora o barulho da chuva que sempre foi um sonífero para mim. Mas simplesmente não consigo. Ele permanece de olhos fechados. Estamos assim já há um tempo e eu não faço ideia se o baile já terminou ou se ainda está acontecendo. Parece que ambos fomos trancados em uma redoma de vidro. Separados do mundo.

Um sorriso leve no rosto de Sheevey me diz que ele não está dormindo.

- Parece feliz consigo mesmo. – eu falo e confirmo meu pensamento quando o sorriso fica maior e ele abre seus olhos.

- Foi estranho, não? – ele aperta o abraço.

- Estranhamente incrível. – rio sem graça.

Olho para a parte inferior do seu braço. As tatuagens.

Modelo: SH.EEV
Número de Série: E78Y.890.651

- Acho que finalmente eu entendo o seu nome. – penso alto.

Sheevey dá um suspiro. Tal suspiro é carregado de tantos sentimentos... tanta amargura. Novamente me vejo afogada nas dúvidas. Como isto é possível?

- Este... não é o meu verdadeiro nome, Sun.

Suas mãos sobem e descem em meu braço, como se eu fosse uma peça de porcelana que precisa ser lustrada.

- Como assim? – Eu pergunto ainda com os olhos na tatuagem.

Mas a porta do lugar se abre quase ao mesmo tempo que as luzes acendem. Agarro-me ao lençol, tentando esconder de mim toda a vergonha e Sheevey segue meu impulso.

Têm vários olhares pesados em cima de mim. Em cima de nós. E meu rosto queima tanto que seria possível fritar ovos neles. Meus olhos não saem do chão. Não devem sair do chão. Mas a curiosidade os levanta e eu sinto que irei morrer quando me deparo com os olhos azuis muito conhecidos. Os que eu vi através de uma tela, porém ainda mais intensos.

- A... Alteza... – eu gaguejo, desejando morrer aqui mesmo – Me... Sinto muito, eu...

O príncipe ri e olha para os homens jovens e velhos ao seu lado.

- Sem problemas, querida. – Sua voz brincalhona me deixa ainda pior – Ficaria surpresa ao saber a quantidade de vezes que já flagrei este tipo de cena nos bailes.

Ele dá outra gargalhada. Seria mil vezes melhor se ele estivesse irritado. Muito melhor do que este olhar que ele os outros lançam para mim agora. O lascivo. Como se eu fosse uma qualquer.

Porém, quando o par de pedras azuis do príncipe descem até Sheevey e, consequentemente, até o seu braço, o humor em suas feições se torna horror. Ele pisca várias vezes e cutuca outro dos amigos risonhos. Em um segundo, a mesma expressão de espanto, medo e até nojo é carimbada nos rostos dos nobres.

- Isto... – ele aponta para o braço de Sheevey, que está tão ruborizado quanto eu – isto aqui é exceção.

Oh não.

- Vistam-se os dois. Agora. – Sua voz retumba em autoridade – Dorian, certifique-se que o gabinete esteja vazio. Preciso ter uma conversa estes dois.

Tateio o meu vestido no chão, tentando segurar as lágrimas.

Já sentindo como as coisas irão dar errado.

---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Brinco novamente com as flores do meu vestido. O gabinete provisório do príncipe Daniel é semelhante a biblioteca iluminada após nossa descoberta: cores frias, modernidade e luxo. Parece um quarto de hotel misturado a uma sala de guerra.

Coroas de Lata - Sintético |Conto1|Onde histórias criam vida. Descubra agora