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Oi pessoal. Revisei Sintético e acrescentei algumas coisas. Espero que gostem :)

Bj Carol.


Encaro a garota em frente a mim.

A luz das lâmpadas, batendo nos diamantes que adornam o corpete, torna a decoração do vestido ainda mais extravagante. Com certeza poderia chamar a atenção do príncipe Daniel, se ele ao menos pudesse ver a garota por trás dele e não só um saco de tecidos e pedras brilhantes.

Esta garota aparenta estar bem maior com estes panos bufantes. Não de uma forma boa, deixando-a mais alta, esbelta e graciosa. Somente mais cheia, com a cintura grossa demais e alargando seus ombros murchos, deixando-os quase como os ombros de um guerreiro milenar.

Não gosto de olhar a tal garota. Então fecho meus olhos e bufo, com o ar carregado de indignação, enquanto soprado dos meus lábios.

- Não gostei desse, Sheevey. Me ajude a tirá-lo.

Saio de frente ao espelho e viro para meu andróide, que sempre me deixa um tanto desconcertada. Não como das primeiras semanas, isto é fato. Todos os androides que já passaram pela minha criadagem eram apenas corpos metálicos sem expressões, andando de um lado para o outro em passos calculados, vozes mecânicas que saíam de trilhões de bytes de programação sonora e um sistema operacional que lhes davam a mínima inteligência para atender aos seus senhores.

Sheevey é um modelo diferente de todos eles. Ele fala como um humano, anda como um humano e, com certeza, parece muito um humano. Certa vez, fiquei tão desconfiada de sua identidade que ordenei que ficasse parado e me permitisse cortar a sua pele até o osso.. Quando peguei faca na cozinha e bati na superfície dura de metal que formava seus ossos, ruborizei pela minha estúpida desconfiança.

Ele é um sintético.

Esses tipos de androides são muito caros, justamente por sua semelhança aos humanos. Sheevey pode muito bem se misturar a nossa população. Ele é exatamente igual a qualquer cidadão da Ásia-Oceania, com seus cabelos negros e curtos, seus olhos castanho-escuros e a palidez da pele, que mesmo sendo sintética, é possível ver sangue correndo por veias artificiais. Apenas se distinguindo dos humanos pelo número de série gravado em seu braço, como uma tatuagem. Ainda assim, ele se adequa aos padrões de Nova Seul muito mais do que eu, que sou mestiça. Tenho os olhos que todos têm por aqui e até a mesma palidez. Porém meus cabelos rebeldes emergiram do DNA latino de minha mãe, de forma que só posso domá-los com a prancha magnética que comprei na internet.

Por parecer tanto com um jovem humano, é que eu me senti desconfortável com a proximidade de Sheevey no início. No entanto, parece que fui me habituando com sua presença calada, aos poucos.

Vou caminhando até um dos provadores, mas não escuto os passos de Sheevey. Quando me viro, vejo que ele ainda está parado, ao lado do espelho que eu estava.

- Sheevey? Algum problema? – Pergunto, ainda com a imbecilidade de não querer ser mal-educada com meu andróide.

Ele hesita, deixando os ombros caírem um pouco, mas se enrijecendo rápido demais para que qualquer um protestasse.

- Senhorita Lee, acredito que queira experimentar outro vestido.

Coloco as mãos na cintura e reviro os olhos, torcendo para que eu pareça indiferente e disfarce meu rubor.

Não sei por que estou tão nervosa.

- Claro – respondo firme, ainda que hesitante por dentro, e caminho até onde estava há pouco.

Têm mais três vestidos na poltrona. Uma confusão de babados, paetês, tecido roxo e rosa. Nada disso parece certo, mas se eu tenho em mente que devo chamar a atenção do príncipe para mim, eu preciso escolher um vestido que atraia a atenção de todos. Em um mundo como o nosso, pessoas são como livros. A capa que atrai mais o leitor, acaba sendo o livro que é escolhido. Minha capa deveria ser espetacular. Talvez, depois, eu possa fazer meu leitor permanecer pelo meu conteúdo.

Apesar de eu não ter certeza se realmente meu conteúdo é bom.

Bufo outra vez e passo as mãos pelo emaranhado do meu coque. Esse dia não está correndo da forma que eu gostaria.

- Algum problema, senhorita Lee? – Sheevey questiona, em sua constante e irritante educação robótica.

Olho para ele. As mãos juntas atrás de seu corpo, as pernas ligeiramente afastadas umas das outras... uma posição de guarda para um criado vestido de tecido de algodão branco.

Deixo meus ombros caírem e respondo-o:

- Estes vestidos, Sheevey. São chamativos, mas horríveis. A noção de moda dessa loja precisa urgentemente ser revista – sento em um dos pufs amarelos. Tudo na loja é colorido. Tanta cor faz minha mente ansiar por analgésicos.

Sheevey dá um passo em minha direção, franzindo a testa. A expressão deixa seu rosto quase infantil. Meu andróide sempre teve o rosto de um garoto - apesar da altura e corpo de homem. Porém, quando sua mente processa alguma pergunta, isso fica ainda mais evidente.

- Por que precisa tanto que um vestido chamativo, senhorita Lee?

Ele ruboriza um pouco depois da pergunta. Não sabia que androides poderiam ficar vermelhos de vergonha, apesar do sangue. Nem sabia que poderiam ter vergonha.

Suspiro e viajo minhas mãos pelo tecido pesado do vestido que uso.

- Preciso chamar a atenção do príncipe Daniel de alguma forma – respondo, em desesperança e noto o peso patético de minhas palavras. Estou mesmo me esforçando tanto para enlaçar um homem?

O futuro rei da Europa Imperial, minha mente sussurra.

Sheevey assente, com um ar de compreensão. Abre a boca para dizer algo, porém se interrompe a tempo e assente outra vez, hesitando soltar as palavras que processou.

- Que seja – resmungo, rolando os olhos como sempre. Um hábito que eu terei que mudar. – Vamos, me ajude a tirar essa coisa.

Caminhamos até os provadores uniformes. Portas douradas, carpete vinho, luzes amareladas... tudo me parece em clima de realeza desde que o príncipe aterrissou com seu jatinho em Nova Seul. Entro em um dos últimos, no final do corredor. Os provadores são largos justamente para que androides entrem, em auxílio de seus donos. Porém, ainda assim, sinto o calor da ausência de espaço entre mim e Sheevey. "Deve ser esse vestido espaçoso demais", penso.

Me viro, de frente ao espelho e de costas a Sheevey.

- Só abaixe o zíper que o resto eu faço. Jogue minhas roupas por cima da porta.

Sheevey suspira e responde com a voz educada, porém um pouco nervosa.

- Sim, senhorita Lee.

Hesitante, Sheevey deixa seus dedos irem até o zíper. Eu sinto aos poucos o vento bater nas minhas costas, antes espremidas. Sheevey mantém o processo lento, como se tivesse medo de fazer algo errado. Coisa estranha demais para um andróide. Quando seus dedos acabam roçando na base da minha coluna, um frio antártico congela as extremidades do meu estômago e pelo menos noventa e nove tipos de arrepios diferentes se alastram da base dos meus pés até a cabeça, como um vírus mortal dilacerando um corpo.

Talvez eu esteja mesmo doente.

- Acho que um vestido não seja o que você precisa para chamar a atenção do príncipe, senhoria Lee.

Não sabia que eu poderia respirar tão rápido.

- Não? – Pergunto, quase sem voz alguma. – E o que você sugere?

Olho para o seu rosto, através do reflexo do espelho. Para um pouco nervoso, mas muito mais pensativo. Talvez o "nervoso" seja coisa da minha cabeça.

- Se me permitir ajudá-la, posso fazer algumas pesquisas.

- Ótimo. Mas preciso de um vestido também. Não posso ir nua ao baile.

Meu comentário completamente inoportuno a situação faz meu rosto esquentar mais que o inferno. Sheevey ruboriza também.

- Posso pensar nisso também. – Ele dá um sorriso leve – Agora se me permite, irei buscar suas roupas.

Assinto, deixando-o cumprir sua função e tentando mensurar o quão estranho foi este momento. Mas o que não é estranho, nos últimos tempos?






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