Quando os Pássaros Pousam e Outros Contos Psicopáticos

VINTE

Segredos de Origami Guardados em Porcelana

Tóquio, Japão

Cara Valentine, espero que essa minha carta a encontre em melhores condições do que as em que estou.

Sim, eu sei, Valentine, péssima maneira de começar uma carta, desculpe meus modos, mas francamente, já perdi as contas de quantas outras tentei escrever... Espero que desta vez eu seja capaz de prosseguir!

A verdade é que estou frustrado, Valentine! Frustrado de um jeito que nunca antes estive! Nunca me foi tão difícil discorrer por tão poucas linhas... Você sabe, Valentine, você me conhece há tantos anos... Sim, minha amiga, mesmo nunca tendo nos encontrado pessoalmente, creio que não há no mundo alguém que me conheça melhor do que você!

Agora estou aqui, sem conseguir me expressar justamente com você!
É, minha amiga, é ela a razão da minha maldita frustração... sinto que perdi as rédeas da situação e simplesmente não sei o que fazer.

Hoje penso que se eu tivesse te ouvido, se tivesse jogado minha pequena ao mar, assim como fiz com todas as minhas lindas sereias, as coisas não teriam chegado ao ponto infeliz que chegou!

Mas eu tremo, Valentine! Tremo só de pensar em minha sereia sendo levada para as profundezas gélidas do mar, porque eu preciso dela para viver!
Mesmo minhas pescarias se tornaram muito mais emocionantes e memoráveis com sua presença... Não serei hipócrita ao ponto de negar que os caprichos dela não tenham me dado qualquer prazer. Porque me deram, Valentine, e é graças à minha pequena que posso entender o seu deslumbre, minha amiga...

Seu deslumbre ao ver o sangue escorrer!

Ela me levou ao céu, e agora fez da minha vida um inferno... Consegue me entender?

Estão procurando por mim, Valentine! Estão procurando pelo homem que por quase vinte anos se gabou de não deixar qualquer rastro... Por nunca encontrarem sequer um corpo.

Minhas sereias partiam em paz para o fundo do mar. A mesma paz que eu sentia por não ser um alvo, por não ser procurado, espiado e até mesmo condenado.

Nós sabemos o que irá acontecer se me pegarem, Valentine! Por isso digo que já não sei o que fazer...

Faz três semanas que não ouso sair para "pescar", mesmo ela insistindo para que eu não amoleça, como se ignorasse a corda que ronda o meu pescoço.

Não, Valentine, ela não é indiferente às minhas preocupações, e não duvido que se importe comigo, é que... a idade, Valentine, com certeza é a sua pouca idade que não a permite perceber as coisas como elas realmente são.

Caóticas, é assim que as coisas são!!!

Minha linda sereia, minha garota do píer está sendo minha perdição!

Não ria de mim, Valentine! Não despreze o seu melhor amigo!
Sei que estou parecendo só mais um infeliz, dentre tantos que há no mundo, culpando uma mulher por suas desgraças...

Isso faz de mim um homem normal?

Sim, Valentine, estou rindo nesse momento, rindo da minha própria desgraça!

A verdade é que tenho sido mesmo digno de pena...

Eu...

Já não sei mais o que dizer e...

Me desculpe, Valentine! Não posso mais continuar... talvez num outro momento, quando minha fraqueza não sobrepor nossas adoráveis confidências...