Lar - Parte 1: Missa Eletrônica

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Antes mesmo de o sol nascer, partiram. A sorte os acompanhara até então, mas já podiam enxergar a poucos quilômetros a capital de um país dominado pelos sistemas que um dia o sustentaram.

— Luis. Eu não avisei antes para não antecipar um problema à toa, mas nós vamos entrar em Quadar.

— Isso está fora de questão. — Vomadar franziu a sobrancelha. — Fora de questão.

— Nós temos muiril. Não é o suficiente?

— Não sabemos o que podemos encontrar.

— Pombal, eu falei que essa missão era sob minha liderança. Em risco de vida nós já estamos há nove anos, desde o maldito dia da Catástrofe.

— Ayat, eu não vou entrar em Quadar.

Encararam-se.

— Erha? — perguntou Ayat.

— Você leva. Você está com mais risco. Deixa eu ficar só com um cilindro.

Assim que Vomadar pegou o cilindro, Ayat montou em Erha e partiu.

***

Quando o sol ameaçava aparecer no horizonte, avermelhando um pedaço do céu, Ayat alcançou as muralhas de Quadar. Um dronete em forma de gênio árabe, de barba e turbante, sorridente, flutuava em frente à larga passagem que Ayat localizou após alguns minutos contornando a muralha. Não parecia dominado pelos aplicativos disseminados pelo Basilisco. Retirou uma cápsula de muiril do tanque de Erha e reforçou a dose sobre pulsos e pescoço. Ato contínuo, caminhou ao lado de Erha em direção à entrada.

Salaam Aleikum — disse o dronete, utilizando-se de uma voz masculina tenra e acolhedora, outrora predominante em vendedores aéreos. — Apresentem-se perante os habitantes desta cidade.

Ayat respondeu, também em árabe:

Alaikum As-Salaam. Sou... Somos visitantes e viemos em paz.

O robô respondeu com a mesma maciez:

— Visitantes são bem-vindos. Devem ser tratados com cordialidade. Assim disse o profeta. Como posso servi-los?

Ayat pausou para pensar. Estariam os sistemas de Quadar preservados desde que não a identificassem como humana? A menção ao profeta devia ser uma homenagem à tradição, uma vez que a Palestina se tornara laica décadas antes de ela nascer.

— Você pode me responder algumas perguntas? Como está Quadar?

— Com muito prazer. Aproximadamente quatro milhões de habitantes vivem na região metropolitana de Quadar, que conta com ...

— Ok, obrigada — interrompeu Ayat, ao notar que o sistema da cidade não considerava informações pós-Catástrofe. — O que você sabe me informar sobre esse símbolo?

O visor de Erha ampliava a foto do circuito envolto por um triângulo.

— A Resposta chegou e é diferente do que imaginávamos. Ela é muito mais luz.

— A Resposta? O que é a Resposta?

O dronete balançou, como se acionasse funções adicionais de movimento.

— Esses pensamentos te perturbam, não perturbam? Às vezes você só queria viver mais tranquilo. Vem comigo, vou levar você para um lugar pacífico.

***

O fedor de mofo e fumaça substituía o cheiro de azeite de sua infância, que Ayat, por um lapso, imaginou que ainda emanaria das ruínas de restaurantes e bazares que atravessaram tão logo adentraram a cidade. Os esqueletos lhe confirmavam, passados tantos anos na fortaleza, que a Catástrofe fora real. Após uma caminhada de uns dez minutos, silenciosa salvo por rangidos distantes de máquinas sem manutenção, alcançaram os portões decorados de arabescos de um palácio. Ayat se lembrava do Al Masalim, um resort köttrymd disponível apenas a uns poucos sorteados.

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