Filhos da Lua - Parte 2: Talvez as Estrelas Estivessem Certas

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Graças ao colorido do paraquedas, Vomadar localizou o recipiente com seus filhotes de pombo e guardou-o consigo. Em seguida, concordaram em partir antes que tecnologias contaminadas os descobrissem.

Afastaram-se da fortaleza e o solo arenoso deu lugar a uma terra dura e poeirenta, sobre a qual cresciam arbustos minguados, descoloridos, os únicos habitantes dali. Viajaram por uma hora e meia, munidos de lanternas e equipamentos rudimentares de navegação, até avistarem um pequeno monte. Na base do monte havia uma caverna, de frente para um riacho, e lá se instalaram. Vomadar sequer explorou o local; ajeitou-se entre duas pedras ainda próximas da entrada e dormiu.

Ayat também estava exausta, mas a excitação da viagem lhe subtraíra o sono. Adentrou mais a fundo até que encontrou castiçais, vasos e terços ornamentando um altar esculpido na pedra onde a caverna acabava. No meio, uma estatueta desgastada da Nossa Senhora recebia os visitantes. Acima do altar, um crucifixo ostentava a imagem de um profeta do Islã, o Deus Filho do catolicismo. Ela se ajoelhou, não para uma ou outra entidade, mas para o sentimento religioso que motivou a arte de milhões de colegas de sofrimento, ali simbolizado nas imagens católicas. Foi então que viu uma outra imagem grafitada na pedra, a qual jamais havia encontrado em nenhuma de suas pesquisas: um circuito envolvido por um triângulo.

***

Num lampejo, Cide lembrou-se da primeira vez que vira Tanya, escondendo suas feições infantis sob disfarce de arrogância executiva, no café ao lado da sede oriental da Una Nação. Daquela mesma noite — ou teria sido da seguinte? — atravessaram-no cenas fugidias de risadas, champanhe, conversas sobre regulação, Woody Allen, Hawkings, e mais risadas. Agora aguardavam há mais de dez minutos em silêncio, no escuro do antigo laboratório. Cide pensou em puxar algum assunto, assolado por certo senso de dever esmaecido que a memória lhe incitara, porém recuou. Não havia nada a se falar.

A porta se abriu e, antes que pudessem se saudar, Nadine lhes contou:

— Mudança de planos. Ayat fugiu da fortaleza. Com o Pombal.

Entreolharam-se, como que para processar a informação, enquanto Leon também adentrava o recinto.

— Parece que eles solucionaram a questão em nosso lugar — concluiu Cide. — Ainda assim... Tanya, a Turquesa?

— Está pronta para até duas semanas.

E não trocaram mais palavras.

***

Vomadar assistiu a seu sonho recorrente. Andava por uma cidade devastada, sob canos de tanques de guerra inertes, entre máquinas desativadas. Descobria a descida para uma planície verde e, enquanto a alcançava, desapareciam as máquinas, os tanques, a cidade. Na planície, pássaros vermelhos e alaranjados voavam baixo e extraíam-lhe sorrisos amorosos. Pousavam sobre pedestais de mármore dispostos num lago azul, que sumia no horizonte como um mar. No início do lago, dentro de uma canoa, uma mulher o olhava e sorria. Embora não tivesse o rosto dela, sabia que era sua mãe.

Dessa vez, o sonho lhe brindou com uma novidade. Uma criatura que se assemelhava a um sapo gigante chiava como uma cigarra atrás dele. Mais de perto, notava que o sapo tinha olhos mecânicos retráteis e um zumbido constante de aparelho em funcionamento. O sapo pegava fogo, e foi o cheiro de queimado que o acordou.

O sonho lhe pareceu mais verossímil do que a realidade que o recebeu ao despertar: do lado de fora da caverna, uma fumaceira emanava de uma máquina prateada com a forma de um tatu-bola, do tamanho de um hipopótamo, um tanto suja. A fumaça provinha de uma solda manejada por Ayat.

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