1| "Ela"

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Afff! Odeio os primeiros dias de aula do ano. Os professores sempre pedem que nos apresentemos para a turma toda. Talvez isso seja algo normal para muitas pessoas, mas para alguém como eu isso se equipara as coisas mais constrangedoras que alguém poderia fazer. A TGA me limita em algumas atividades simples como essas. O Transtorno Generalizado de Ansiedade, com o que fui diagnosticado há uns três anos atrás, é uma pedra no meu sapato.

As pessoas às vezes vêm com o discurso de "Ahh, ele é tão tímido, tadinho", isso me irrita um bocado, não por que sentem pena de mim, mas por que a maioria nem sabe o que é o transtorno e acha que se resume a timidez. Minha psicóloga, a senhora Rebbeca, disse que isso pode ser decorrente de algum trauma na infância, já o meu psiquiatra, o senhor Malcon, além de me medicar vários ansiolíticos e benzodiazepínicos, ainda me deu algumas dicas para a diminuir a produção do hormônio cortisol. Mas às vezes acho que isso tudo não está me levando a lugar algum.

A única esperança que tenho para esse início de ano letivo é a de não ficar outra vez na mesma turma que o babaca do Kall. Garoto insuportável. Acha que pode fazer o que quiser no colégio apenas por que é líder do time de futebol.

Ah, tem outra coisa que torço para que aconteça. Essa é mais importante. Ficar na mesma turma da Cloe. Quem é Cloe? Bom, só é a garota mais bonita e legal do colégio. Ela mora no mesmo bairro que eu, mas nunca trocamos uma ideia, sabe? Maldito TGA, ou talvez nem seja culpa dele, talvez seja culpa minha. A terapeuta falou que eu tenho que parar de culpar o TGA por todas as minhas inseguranças, isso só me mantém na zona de conforto, também disse que eu deveria me "expor mais", como se fosse a coisa mais fácil do mundo...

Como sempre tentei sair às pressas do carro, mas para variar, minha mochila enganchou outra vez no puxador da porta.

-Filho, não vai dar "tchau" para sua mãe?

-Ahhh, mãe. Eu estou atrasado...

-Olha só, mentindo para não se despedir da mãe... Ambos sabemos que o senhor não se atrasa. -isso é verdade, eu nunca atrasava em nenhum compromisso. Podia até deixar de ir, mas atrasar jamais. Mesmo que tentasse ao máximo. De acordo com a senhora Rebeca, isso tinha ligação com a ansiedade.

-Mãinhêêê!!! -protestei

-Tudo bem então, querido. A mamãe vai para o trabalho um pouco triste, mas não tem problema... -minha mãe sabia ser dramática, era como se fosse o seu superpoder.

Dei a volta no carro e fui até a janela do motorista. ela puxou minha cabeça para dentro do carro e me deu um beijo na testa. Fiquei constrangido. Não queria que as outras pessoas vissem minha mãe me beijando na frente do colégio, afinal estávamos no ensino médio, se alguém visse, provavelmente eu viraria motivo de piadinhas durante uma semana.

-Tchau querido. Seu pai vem te buscar na saída, se ele demorar um pouco é por que saiu mais tarde do trabalho. Se cuida!

-Tá bom mãe. Até logo!

Nos despedimos, definitivamente, isso por que me afastei do carro. Se fosse pela minha mãe, continuaríamos ali por muitos minutos. Ela se preocupava demais comigo, era superprotetora, por vezes me sentia sufocado, mas não adiantava reclamar, ela sempre vinha com o papo de que "mãe é mãe" e nem me deixava argumentar contra, isso quando não fazia algum dos dramas para que eu me sentisse culpado. Isso sempre funcionava.

Alguns outros alunos já haviam chego e circulavam nos corredores, muitos com seus grupinhos de amigos. Fui ao bebedouro mais próximo da entrada quando senti um soco leve no braço direito.

-Iaebrow! -era Mike, meu melhor amigo.

Mike é um cara desenrolado, mas quando se trata de garotas ele é pior que eu, não estou brincando. Vive apaixonado, porém quando tenta conversar com a "garota dos sonhos", como ele chama todas por quem se apaixona, acaba falando alguma besteira e tomando um fora.

O FENÔMENO "Ela"Onde histórias criam vida. Descubra agora