Casa do Mike, 20:00hr
Pensei umas cem vezes antes de sair de casa. Mesmo que não quisesse demonstrar a Mike, as ameaças de Kall haviam mexido comigo. A noite passada foi horrível de dormir, isso sempre acontecia quando tinha algum evento no outro dia, era bombardeado constantemente por pensamentos que insistiam em me manter acordado.
Fiquei pensando e calculando as possibilidades de acontecer algo ruim nessa festa e sempre acabava convicto de que a melhor opção era não ir, mas não queria voltar atrás na minha decisão, tinha sido muito firme quando me posicionei, creio que até transmiti alguma segurança pra Mike.
Cheguei à casa da família Bloom por volta das 19:30, e depois de trinta minutos esperando, Mike só fizera o básico, banho e roupa, o que pra mim já era o suficiente, mas não pra ele. Vaidoso do jeito que era, a minha esperança era que chegássemos antes das 22:00. A festa estava marcada pra começar às 20:30, mas sei que não chegaremos a tempo de pegar o início.
Mike voltou ao quarto umas quatro vezes antes de escolher de fato a roupa que usaria. Sua mãe também não ajudava muito, seus comentários negativos a respeito das escolhas feitas por Mike eram aparentemente o que mais contribuíam para suas mudanças de "look", mesmo quando ele dizia "Ah, mãe... Tanto faz" em seguida já se abusava e tornava a se trocar.
Finalmente a combinação perfeita foi vestida. Até a senhora Bloom havia achado bonita, tudo pronto pra sairmos.
-Até logo crianças! Não demorem muito.
-Tudo bem, mãe. Não precisa ficar preocupada. Antes das três da manhã eu estarei em casa. – afirmou Mike, animado.
-Nada disso, mocinho. O senhor disse que essa tal festinha acabaria antes de meia noite. -rebateu a senhora Bloom. Provavelmente Mike havia mentido sobre o horário de término para que sua mãe deixasse ele ir, isso era costumeiro.
-Mãe, nenhuma festa termina antes de meia noite. Já estamos prontos pra sair, a senhora não nos negaria algumas horinhas a mais, não é mesmo?
Os dois ficaram nesse embate durante alguns minutos, a única coisa que eu poderia fazer era esperar um deles ceder.
-Tudo bem, Mike. Dessa vez vou permitir que você vá, mas dá próxima vez eu espero que me fale a verdade sobre o horário, ou então, mesmo estando pronto, o proibirei de ir.
Mike concordou com a condição e saímos com destino à casa de Ester.
***
O relógio marcava 21:12hr quando viramos a esquina. Já era possível ouvir o barulho do som. Mike estava muito empolgado e não parava de arrumar a camisa.
-Aí, cara. Tá amassada? -Perguntou ele apontando pra gola.
-Não, tá massa, mano!
-Ótimo, não quero passar vexame na frente da galera. -na verdade essa "galera" se resumia as garotas legais e a "garota dos sonhos".
Na frente da casa de Ester haviam alguns carros estacionados. A primeira pessoa e provavelmente a menos agradável que consegui identificar foi Kall. Com um copo na mão, deduzi que fosse bebida alcoólica, mesmo sendo menor sempre arrumava um jeito de conseguir e fornecia nas festas em que se fazia presente, estava com seu bando de acéfalos e algumas calouras no jardim da casa, provavelmente contando algumas das suas interessantíssimas aventuras vividas nas viagens com o time de futebol ou alguma briga que pegara em algum dos jogos. Era rotineiro que Kall socasse alguém durante a partida por achar que tinha sido injustiçado ou só pra chamar atenção mesmo. Às vezes me perguntava o motivo pelo qual um cara tão esquentado quanto ele poderia ser capitão do time.
Passamos direto, mas fiquei com a sensação de que Kall percebeu nossa presença e nos acompanhou com o olhar.
Na porta, Joe ficara responsável por receber os ingressos. Pobre Joe, as pessoas não o levavam muito a sério, mas também não era pra menos, ele fazia questão de ser "pau mandado" da maioria das líderes de torcida, isso por que, como todos sabíamos, sempre tivera uma quedinha por Ester.
Finalmente entramos. Logo reconhecemos algumas pessoas, uma parte estudava conosco. A maioria das pessoas presentes eram populares, os que não eram eu já desconfiava de que haviam comprado os ingressos, assim como nós.
Paramos na sala, ao lado de um dos sofás. Esse era o ambiente onde havia uma maior concentração de pessoas, achei mais interessante ficar por ali, era menos provável que fôssemos notados, já que não estávamos nem um pouco em evidência.
A música que tocava no momento era eletrônica, um pop remixado.
Mike não parou de olhar para os lados um segundo depois que chegamos, ambos sabemos o que ele estava procurando. Quando ele falou, eu tive um pouco de dificuldade para entender por causa do som, a leitura labial ajudava um pouco.
-Ali, cara! Lá no canto. -Mike apontou e quando percebeu o que fez, imediatamente abaixou a mão. Era a "garota dos sonhos", mas não estava só, um grupinho de amigos fazia sua companhia.
-Vai falar com ela então. -indiquei.
-O quê? -Mike nem tirava o olhar da garota enquanto conversávamos.
-Vai lá e fala com ela! -falei mais alto.
-Ah, mano. Ela não tá sozinha! Assim fica mais difícil.
-Mas você precisa falar com ela se quiser ter alguma chance, não acha? -indaguei.
-Ah, sim, claro! Mas vou esperar um pouco mais.
-Tudo bem, só não espera até a festa acabar.
Um garoto passava segurando uma bandeja de refrigerante, Mike pegou o dele e eu o meu. Nesse mesmo momento Cloe passou ao nosso lado, linda como sempre, usava um vestido curto preto destacando a silhueta, meu coração gelou. Quando viu Ester, que saía da cozinha, ambas deram um gritinho e se abraçaram.
-Você também deveria trocar uma ideia com a Cloe... -disse Mike.
-Não sei. Acho que não é o momento.
-Nunca é o momento. Cara se você conseguisse falar com ela tenho certeza que ia ser "supimpa". -fiquei em dúvida se pensava sobre o que Mike falara ou se ria um pouco da sua nova gíria.
-Vou pensar.
-Quer saber? Vou deixar você aí pensando, vou falar com a Alice. - Mike me entregou o copo e fez um mini ritual de preparação. Depois de ter chacoalhado a cabeça e ajeitado o cabelo, saiu em direção a "garota dos sonhos".
-Boa sorte, cara" - desejei. Espero que ele não fale besteira dessa vez.
Observei. Ele conseguira falar com Alice, estavam conversando e ela parecia achar interessante o papo, pois por vezes deixava escapar um pequeno sorriso.
-Aê "Will Nervosinho". -ouvi, mas a música não me permitiu reconhecer de quem era voz. Apenas duas pessoas usaram esse apelido comigo recentemente. Mais uma vez meu coração gelou. Torcia para não ser o Kall. Virei bem devagar.
Próximo capítulo: A Festa - Parte II
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O FENÔMENO "Ela"
Short Story"Você precisa enfrentar seus medos, Will. Descubra qual é o maior deles e o encare". Há três anos Will foi diagnosticado por sua terapeuta, com Transtorno Generalizado de Ansiedade e, desde de então, vive uma incessante luta contra seus demôni...