'Ele cavou uma cova para mim', diz mulher vítima de violência

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'Ele cavou uma cova para mim', diz mulher vítima de violência

G1 visitou abrigo onde moram mulheres ameaçadas pelos ex-companheiros. Elas temem reencontrar os agressores e esperam recomeçar a vida.

30/07/2010 08h36 - Atualizado em 30/07/2010 20h04

Por Mariana Oliveira

Do G1, em São Paulo

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Ana Cláudia tem pouco menos de 30 anos e passou quase um terço da vida sendo agredida pelo ex-companheiro. Um dia, chegou em casa do trabalho e havia uma cova no quintal. Era uma maneira encontrada pelo ex para intimidá-la.

"[Ele] me ameaçava de morte. Teve um dia que cheguei do serviço e no fundo do meu quintal tinha um terreno e tinha um buraco onde ele ia me enterrar. Várias vezes falou que ia me matar, dar facadas, cortar meu corpo em pedacinho, ia enterrar e que ninguém ia me encontrar. (...) Ele cavou uma cova. (...) No dia que vi aquele buraco, você não tem noção de como fiquei apavorada. Eu só estou viva hoje porque eu procurei ajuda, eu fui na delegacia da mulher e eles me encaminharam para o abrigo, senão eu não estava viva hoje", disse – 
G1 visitou uma casa-abrigo onde moram mulheres e seus filhos, que fugiram dos companheiros e tentam recomeçar uma nova vida após agressões e ameaças. Os nomes das mulheres vítimas de violência citadas na reportagem foram alterados a pedido das entrevistadas.

As ameaças e agressões contra Ana Cláudia começaram quando ela começou a trabalhar.

“Ele não acreditava em mim, achou que eu ficava com homens no meio da rua. Um dia ele judiou muito de mim, fez machucado bem grande na minha cabeça. Ele arrancou a porta, jogou na minha perna. Arrancou metade dos meus cabelos. (...) Ainda tô fazendo tratamento psicológico. Para ter ânimo. Um dia juntei todos os comprimidos e fiquei três dias dormindo, tipo um coma de três dias. Não acordava. Eu não via mais razão para viver, eu queria destruir aquela vida, porque não estava mais fazendo sentido para mim.”

Ela mora no abrigo e atualmente faz curso na área de construção civil. O maior medo é reencontrar o ex-companheiro, que ela classifica como "perigoso". “Eu tenho muito medo dele, da família, de tudo, dos amigos, de tudo dele eu tenho medo, eu saio e fico que nem doida no meio da rua, toda hora olhando para trás, se alguém olha muito eu tenho que sair de perto.”

O medo de Ana Cláudia tem razão de existir, de acordo com a advogada Maria Aparecida da Silva, especializada em violência contra mulher. Ela conta que a ida ao abrigo é necessária nos casos em que a mulher corre risco de morte e que, na maioria das vezes, os ex-companheiros insistem em procurar as mulheres. Por isso, elas vivem sob absoluto sigilo, sem poder contar nem mesmo a parentes onde estão. Quando chegam, passam cerca de 30 dias sem contato com o mundo externo. Depois da “trintena”, podem fazer ligações sob a supervisão de educadoras para garantir que não vão revelar o próprio paradeiro.

A coordenadora da casa-abrigo visitada pelo G1, que cuida da organização da casa e recepciona pessoalmente as mulheres - o nome dela foi preservado pela segurança do local -, diz que o trabalho sobre a importância de manter o sigilo da casa é constante.

"A tendência é esquecer o risco. Por isso a gente trabalha todo dia com elas, não no sentido de aterrorizar. Trabalhar o medo saudável. Tem dois tipos de medo: o que paralisa é horroroso, a pessoa nunca mais caminha. O medo saudável é aquele que preserva minha vida, minha segurança e ao mesmo tempo me permite ir à luta", diz a coordenadora.

O abrigo visitado pela reportagemfica na Grande São Paulo. É uma casa normal em uma rua tranquila, sem muito movimento. Há vários quartos - algumas famílias maiores ficam em um único ambiente e outras dividem o espaço -, refeitório, sala de TV, cozinha, copa, lavanderia e quintal para as crianças brincarem. Algumas mulheres estão sozinhas, outras com seus filhos. Vítimas de violência doméstica, estão ali porque psicólogos e assistentes sociais identificaram que havia risco de morte.

Refeitório de abrigo para mulheres vítimas de violência na Grande São Paulo (Foto: Mariana Oliveira / G1)

Fracasso
A coordenadora do abrigo conta que as mulheres chegam no local com "sentimento de fracasso". "A nossa sociedade nos ensinou que somos responsáveis pelo sucesso do casamento, pelo sucesso dos filhos, dessa vida familiar. Então, quando chegam aqui, além da perda material, da perda dos objetos pessoais, chegam com muita raiva, outras com muita tristeza. O sentimento de fracasso é geral e na maioria das vezes elas saem agressivas no sentido de defesa. Elas chegam muito indignadas, 'eu não dei certo', 'eu fracassei', 'ele é um criminoso, mas está lá fora solto e eu estou aqui presa'."

Para a advogada Maria Aparecida da Silva, é uma distorção as mulheres ficarem privadas de liberdade enquanto seus agressores ficam soltos. “É injusto e desumano uma mulher ter que se retirar de sua condição de mãe, de esposa, da família, ser retirada de seu convívio, de sua comunidade, para ter de ficar presa enquanto agressor fica solto, é injusto.”

Ana Cláudia afirmou que, quando conheceu o ex-companheiro, ele não era violento. “Ele nunca mostra quem é no começo, sabe a pessoa tem várias faces, tem palavra para tudo que perguntam. É boa para as pessoas na rua, quem vê fala ‘nossa essa pessoa não é assim’.Tem estudo, profissão boa, tem tudo para ser uma pessoa educada, sabe conversar com mendigo até prefeito, governador. Mas com companheira dele em casa, quando abre a porta, deixa tudo de bom que tinha lá fora.”

Foi encontrado no site do g1

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