"Fui posto a meio caminho entre a miséria e o sol”, escreve Albert Camus em O avesso e o direito. Ele nasceu numa propriedade de vinicultura perto de Mondovi, no departamento de Constantina, na Argélia. Seu pai foi mortalmente ferido na batalha do Marne em 1914. Uma infância miserável em Argel, um preceptor, o Sr. Germain, depois um professor, Jean Grenier, que sabem reconhecer-lhe os dons, a tuberculose, que se manifesta precocemente e que, com o sentimento trágico que ele denomina absurdo, lhe dá um desesperado desejo de viver: eis os dados que irão forjar sua personalidade. Escreve, torna-se jornalista, anima grupos teatrais e uma casa da cultura, faz política. Suas campanhas no Alger Républicain para denunciar a miséria dos muçulmanos o levam a ser obrigado a deixar a Argélia, onde já não querem lhe arranjar trabalho. Na França, durante a guerra, se faz um dos sustentáculos do jornal clandestino Combat. Com a libertação, o Combat, de que ele é o redator-chefe, é um diário que pelo que reclama e por seu tom, faz época na história da imprensa. Mas é o escritor que já se impõe como um dos cabeças da sua geração. Em Argel, tinha publicado Núpcias e O avesso e o direito. Erroneamente vinculado ao movimento existencialista, que atinge o apogeu no pós-guerra, Albert Camus escreve, na verdade, uma obra articulada em torno do absurdo e da revolta. Talvez tenha sido Faulkner quem melhor resumiu o seu sentido geral: “Camus dizia que o único verdadeiro papel do homem, nascido em um mundo absurdo, era viver, ter consciência de sua vida, de sua revolta, de sua liberdade".E o próprio Camus explicou como havia concebido o conjunto de sua obra: “No início eu queria exprimir a negação. Em três formas: romanesca - foi O estrangeiro; dramática - Calígula, O equívoco; ideológica - O mito de Sísifo. E previa o positivo em três formas também: romanesca - A peste; dramática - O estado de sítio e Os justos; ideológica - O homem revoltado. Já entrevia uma terceira categoria, em torno do tema do amor". A peste, assim, iniciado em 1941, em Oran, cidade que servirá de cenário para o romance, simboliza o mal, um tanto como Moby Dick, cujo mito impressiona Camus. Contra a peste, os homens adotarão diversas atitudes e mostrarão que o homem não fica numa completa impotência diante da sorte que lhe cabe. Esse romance da separação, da infelicidade e da esperança, lembrando de maneira simbólica aos homens de seu tempo o que acabavam de viver, desfrutou de um enorme sucesso. O homem revoltado, em 1951, não afirma outra coisa. “Quis dizer a verdade sem deixar de ser generoso”, escreve Camus, que diz também deste ensaio que lhe trouxe muitas inimizades e o indispôs principalmente com os surrealistas e com Sartre: “No dia em que o crime se ornamenta com os despojos da inocência, por uma curiosa deformação que é própria do nosso tempo, é a inocência que se vê intimada a apresentar suas justificativas. A ambição deste ensaio seria a de aceitar e examinar este estranho desafio". Cinco anos mais tarde, A queda parece o fruto amargo do tempo das desilusões, do retiro, da solidão. A queda já não desenvolve o processo do mundo absurdo em que os homens morrem e não são felizes. Desta vez, é a natureza humana que é culpada. “Onde começa a confissão, onde a acusação?”, escreve o próprio Camus a propósito dessa narrativa única em sua obra. “Em todo o caso, uma única verdade nesse jogo de espelhos calculado: a dor e o que ela promete". Um ano depois, em 1957, o Prêmio Nobel é concedido a Camus pelos seus livros e também, sem dúvida, por esse combate que ele nunca parou de travar contra tudo o que pretende esmagar o homem. Esperava-se um novo desenvolvimento de sua obra quando, a quatro de janeiro de 1960, ele morreu num acidente de carro.
A Pascal Pia
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