Contaram-me que o incêndio se alastrou rapidamente e demorou para ser controlado, já que o estábulo era feito de materiais inflamáveis. Para tristeza geral de todos nós do reino, o rei Basílio fora retirado de dentro do local totalmente sem vida. A princesa Irene sobreviveu, mas, de acordo com os boatos, grande parte do seu corpo havia sofrido sérias queimaduras. Além dos dois, toda a cavalaria real ardeu em chamas. As suspeitas eram de que havia sido um incêndio criminoso.
Quanto à Bernarda, ninguém soube de seu paradeiro. A condessa sumiu completamente do mapa como se fosse fumaça. Tendo sido um incêndio criminoso, por lógica, ela seria a suspeita mais óbvia, penso eu. Mas ninguém teria coragem de acusar formalmente um membro da família real sem provas. A culpa, como sempre, recaiu nos ombros do lado mais fraco: Sancho. A guarda real buscou-o por alguns meses, até encontrar seu corpo sem vida. O veterinário havia sido assassinado.
Três anos após a explosão no estábulo, as mudanças no Reino de Torim ainda eram visíveis. Principalmente para nós, que convivíamos no palácio. Desde o incêndio, a princesa permanecera reclusa em seu quarto. Apenas os médicos e seus tios, o barão e a baronesa de Pomal, tinham acesso a seus aposentos. O casal, por sinal, na ausência de outro membro real apto, atuava como representante da monarquia em eventos, encontros e cerimônias oficiais. O poder do Reino de Torim, porém, passou a ser centralizado no parlamento, composto por membros da alta sociedade, e encabeçado por seu líder, o lorde Donato Arone.
Eu, na ausência de uma princesa para fazer as vezes de sua dama de companhia, fui remanejada a governanta do palácio. Se de um lado minhas responsabilidades aumentaram, por outro, o convívio com os barões de Pomal era tenso e não passava de formalidades. Sentia falta da carinhosa amizade da princesa Irene.
Ao menos o meu filho, Nicolau, agora com pouco mais de dois anos, preenchia minha carência de afeto. Enquanto eu trabalhava, ele brincava com as crianças da corte. Orgulhava-me poder proporcionar a ele uma infância ao lado dos filhos dos nobres de Torim.
Havia muitas tarefas para realizar no palácio, mas, especialmente naquele dia, as coisas estavam agitadas por lá. Após anos de reclusão, a princesa Irene seria reapresentada à sociedade e coroada a nova rainha. Todos estavam curiosos para o evento. Ninguém sabia ao certo o real estado de saúde da princesa. Havia todo um mistério por trás dessa cerimônia.
− Jordana, o barão e a baronesa de Pomal solicitam sua presença na sala de reuniões − informou-me Ana, a mensageira real.
Agradeci e fui em direção ao local. A porta da sala de reuniões não estava totalmente fechada, o que me permitiu ouvir parte do que era falado entre o casal de barões e um outro homem.
− É que temo pela saúde da princesa ao assumir o trono de Torim. − Era a voz da baronesa.
− Concordo. Você deveria acalmar os seus pares para podermos adiar por mais alguns meses a coroação − disse o barão.
− Isto está fora de cogitação. Não há como um reino sobreviver tanto tempo sem um rei ou uma rainha. − Não conseguia identificar pela voz quem era esse homem.
− O que quer dizer com isso? − perguntou ela.
− Quero dizer que já há movimentos no parlamento para a queda da monarquia.
− Que curioso! − disse o barão, num misto de ódio e ironia. − Corrija-me se eu estiver errado: em um sistema parlamentar, você, como líder do parlamento, seria o candidato natural ao cargo máximo, estou certo?
− Não falo isso por interesse próprio, mas sim pelo bem de Torim.
− Que vergonha! Um lorde ameaçando destronar a família real! Isso seria traição! − afirmou a baronesa em tom severo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Rainha de Gesso [CONCLUÍDO]
Misterio / SuspensoSelecionado para a Shortlist do Wattys 2018; 1° Lugar no Concurso Suspense 03, organizado pelo Wattpad; Condecorado no mesmo concurso com a estrela dourada, pelo empenho na divulgação da história; 2° colocado no 2° Concurso Rascunhos de Ouro. SINOPS...