Apesar de suas pobres vestimentas e de seus cabelos curtos e desgrenhados que em nada remetiam a alguém da realeza, a mulher que dissera ser a verdadeira rainha tinha aqueles mesmos olhos verdes de minha querida princesa.
− Esse é o seu filho? Como ele se chama? − perguntou-me.
− Ele... o nome dele é Nicolau.
− Mas que criança linda, Dana − disse ela, enquanto apertava as bochechas de meu menino com suas mãos empoeiradas. − Você não imagina o quanto eu senti saudade de sua companhia.
Dei um passo para trás. Não queria que meu filho fosse tocado por aquelas mãos e, apesar da semelhança, ainda não estava nem um pouco certa de que aquela jovem maltrapilha era a verdadeira rainha.
− Quantos anos ele tem? Três? − perguntou-me, percebendo meu desconforto com a situação toda.
− Quase três.
− Dana, desculpe-me. Eu imagino o quanto eu devo ter lhe assustado. Mas imploro por sua ajuda.
− Eu... eu não sei o que dizer. Está querendo que eu apenas acredite que é a verdadeira rainha?
− Muita coisa da explosão que vitimou meu pai não foi revelada, Dana, e você é a única pessoa em quem confio do palácio. Mas não posso obrigá-la a acreditar em mim. Se não estiver disposta nem a ouvir o que tenho a dizer, eu entenderei − falou, enquanto dava sinais de que iria embora.
A curiosidade, porém, sempre me falava mais alto. Não me contive.
− Está bem. Conte-me o que tem a dizer. Estou ouvindo.
Ela abriu um sorriso.
− Bem... naquela noite, Bernarda entrou em meus aposentos dizendo que meu pai, o rei, estava caído no estábulo. Corremos em direção ao local. Ao entrar, o vi caído e com sua testa sangrando. Eu me desesperei, Dana. Havia muito sangue.
− Ele estava morto?
− Não, ele se mexia. Fui em direção ao meu pai para tentar socorrê-lo, e pedi para Bernarda ajudar-me. Só aí eu percebi que minha prima não tinha a intenção de colaborar. Ao invés disso, ela tentava desesperadamente sair do estábulo, mas a porta estava emperrada. Você lembra que ela emperrava, Dana?
− Sim, lembro.
− Meu pai tentava me dizer alguma coisa...
− O que era?
− Só entendi algumas palavras, como "traição", "fogo" e "fuja". O que quer que tenha atingido sua cabeça, havia o deixado atordoado. Agora essas palavras fazem sentido, mas não naquele momento. Bernarda batia na porta emperrada gritando "ainda não, me espere sair!". Foi aí que senti um cheiro forte.
− Um cheiro?
− Sim. De algum material ou produto que não era do estábulo.
− Será que isso causou a explosão? − questionei.
− Sim, isso e o fogo. Da janela, vi alguém jogando um pedaço de madeira em chamas. Num último esforço, meu pai se jogou em cima de mim para me proteger. E aí a explosão aconteceu. Meu pai me salvou, Dana! − disse ela em prantos. − Meu pai me salvou!
− E o que aconteceu depois?
− Tudo pegava fogo. A explosão atingiu meu pai, que já não reagia mais, e também Bernarda, que gritava de dor. O calor era imenso, aquilo parecia um inferno. Só me restava sair por uma das janelas e fugir. Foi o que fiz. Tive de abandonar meu pai.
− Mas por que não voltou ao palácio?
− Por medo, é claro. Pense comigo: além de Bernarda, quem seriam os maiores beneficiados com as mortes minha e do rei?
− O barão e a baronesa de Pomal − eu disse.
− Sim, meus tios. Eles estavam no palácio enquanto toda a corte se preocupava com o jantar. Voltar para lá seria assinar minha sentença de morte, Dana.
− Por que você apareceu só agora, então?
− Honestamente, achei que minha prima morreria. Ela estava praticamente em chamas quando saí do estábulo. Por isso esperei. Esperei pacientemente por sua morte. Mas a desgraçada ainda continua viva. E, agora, rainha. Estou desesperada.
− Na verdade, ela não está exatamente viva...
− Como? O que quer dizer? − perguntou-me.
− Sua saúde está muito debilitada. A cerimônia de coroação durou apenas 20 minutos para poupá-la. Ela até usa uma máscara para esconder seu rosto desfigurado.
Os olhos da suposta rainha ganharam ainda mais vida com a minha notícia.
− Dana, você compreende o quanto essa informação é valiosa? Eles estão fragilizados! Essa é a hora de atacar! Preciso retomar a coroa e vingar a morte de meu pai. Por favor, por nossa amizade, você tem que me ajudar!
− Mas... como quer que eu ajude?
− Só conseguirei retomar a coroa via parlamento. Preciso de uma reunião com o seu líder. Preciso conversar com lorde Donato Arone. Por favor, marque essa reunião para mim.
Convencer o lorde Donato Arone de que a rainha mascarada era falsa? Isso me parecia loucura. Eu estava tão chocada que mal consegui responder.
− Obrigada por sua ajuda, Dana. Isso significa muito para mim − disse ela, enquanto me abraçava.
A suposta rainha se despediu e foi embora, deixando-me atônita. Com Nicolau nos meus braços, segui o caminho até minha casa. Ele dormiu rapidamente. Eu, entretanto, não conseguia pregar os olhos.
Peguei a carta de dentro do criado-mudo – a mesma carta que eu mantive em segredo ao longo dos anos − e a reli mais uma vez, como se um pedaço de papel pudesse me dar algum conforto. Toda aquela história passava várias e várias vezes pela minha mente. O que eu deveria fazer? A dúvida me consumia.
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A Rainha de Gesso [CONCLUÍDO]
Misterio / SuspensoSelecionado para a Shortlist do Wattys 2018; 1° Lugar no Concurso Suspense 03, organizado pelo Wattpad; Condecorado no mesmo concurso com a estrela dourada, pelo empenho na divulgação da história; 2° colocado no 2° Concurso Rascunhos de Ouro. SINOPS...