ÔNIBUS

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-Posso lhe contar um segredo?- Disse a voz predominante em sua mente.
-Diga.- Respondeu-a, tremula e ingênua.
-Posso lhe contar um segredo?- Disse outra vez, a voz predominante e implacável.
-Diga-me.- Respondeu-a, ingênua e curiosa.
-Can I tell you a secret?- Disse a voz, mais aguda e em outra língua, suavemente poupando-lhe a mente do esforço de responder.
-...- A voz suave de Valerie fora abafada por sua própria insegurança.
-Eu posso lhe contar um segredo.- Afirmou a voz, dissipando lhe o vazio da mente, preenchendo-a com cores vivas em tons de marrom e verde acinzentado. Um campo de terra seca, repleta de vegetação morta. 



Novamente, este pesadelo persegue Valerie.



Valerie desperta, assustada pela voz retornar à sua mente. Já é a décima noite seguida em que a voz lhe atinge e aflige. O que seu subconsciente está tentando lhe dizer? Valerie tem se questionado quanto a isso. Valerie sempre possuiu uma forte conexão com filosofias de vida mais livres e nada ortodoxas, admirando as pessoas livres de qualquer pensamento fixo, tanto quanto admira suas lobas. Ela pensa que a caça é uma guerra, e que guerras precisam ser vencidas. Contudo, existe uma guerra que a mulher de quarenta e seis anos não possui controle, exército ou armamento, a sua própria guerra.



Com a mente constantemente instável, Valerie passou a dormir menos e beber mais. Ela percebeu que seus sonhos têm se intensificado com o álcool, coisa que nunca aconteceu antes. Valerie sempre possuiu noites tranquilas e serenas de sono profundo e ininterrupto. Devido ao choque, ao pequeno coma e ao que descobrira noites atrás, seu sono pareceu um tanto mais pesado. Algo ainda há estava indagando. Jonathan. Valerie se vê preocupada com a pobre Mercedes. Elas sempre foram amigas unidas, que gostavam de compartilhar segredos obscuros sobre as mais inquietantes pessoas. Há nas duas uma forte conexão, como os Kindreds. Um antigo conto nórdico. Ambas comungam da fé que uma tem na outra, para todos os efeitos. Sua proximidade sempre fora o objetivo de Jonathan, que nunca conseguiu conectar-se a ninguém verdadeiramente. Ele inveja a conexão das duas, mas nunca quisera destruir isso. Valerie sabe disso, mas algo não faz sentido em sua mente. Por que ele a contaria algo assim? Por que ele continuaria com a mentira para Mercedes? Por que ela não contou? Não foi por falta de tempo, mas sim por medo. Medo da reação da amiga com relação ao único homem que amou verdadeiramente em toda a vida. Valerie percebe que esse circo precisa de um fim, e vai alcançar isso. Entretanto, não hoje. Hoje, Valerie tem um encontro com uma famosa médica especializada em comas. A falta de Lissandra em sua vida é palpável, e Valerie fará o que precisar para ajudar. Ela quer o melhor para a filha. Sempre quis.



Já são 13:43 quando Valerie chega ao centro comercial da cidade. Ela aguarda numa pequena galeria de arte, esperando que a morena de olhos claros apareça. Tudo o que Valerie soube da mulher, é que seus cabelos são longos e esbeltos, seu corpo é monumental e constantemente causa inveja em outras mulheres. Ela, também, possui uma fama peculiar com parapsicologia. Valerie aguarda até que percebe a presença de alguém vindo em sua direção, enquanto ela observava o "Campo de Trigo com Corvos", de Van Gogh.



-Uma peça muito bela de um dos mais intrigantes artistas da dos anos 1800, não acha?



Valerie observa o menino de aparentemente quatorze anos parado ao seu lado, observando a obra com olhos atentos e graciosos.
-É. - Valerie volta-se para o quadro- Uma obra-prima, eu diria.
-Bom, eu não diria uma obra-prima. -O menino aproxima-se do de Valerie- Veja bem, Vincent era um gênio. Contudo, e eu digo isso com todo o respeito, suas obras me indagam de incertezas. Veja as pinceladas cuidadosas que os corvos receberam. -O menino faz um gesto cuidadoso no ar, com a mão direita- Agora, observe cautelosamente as luzes da lua, sob o céu azul-escuro e note o milharal no resto da imagem. -Ele toca o ombro esquerdo de Valerie com a mão direita, apontando para as coisas que disse com a mão esquerda- Tudo isso me faz sentir confusão, principalmente pelo tom de verde.

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