A caminho do hospital, Barbara e Valerie deixam o silêncio predominar o interior do carro. O incômodo notável de Valerie com relação a sua decisão faz com que Barbara pense se é mesmo uma boa ideia deixa-la fazer o que quer. Inquieta, Barbara começa a cantarolar.
-To shooting pains up my head, Lovebird, my beat—Valerie a interrompe.
-October Song?- Valerie surpreende Barbara.
-Você conhece?
-É uma das músicas favoritas de Lissandra. Ela tem um gosto musical parecido com o de Mercedes, que também amava essa música.
-Desculpe.
-Não se desculpe, eu acho isso extremamente idiota.- Valerie arruma-se no banco do carona- Se desculpar por algo que não possui conhecimento, é como se incomodar com as próprias manias.
-Bom, eu sempre detestei minha inconveniência.- Menciona Barbara.
-Você já tentou corrigi-la?
-Já. –Diz Barbara- Mas acabou como você e Mercedes.
-Acho que definitivamente isso é algo que você deve trabalhar.- Valerie diz, incomodada.
-Eu acabo sendo um incômodo muitas vezes, mas é parte do trabalho. Pessoas morrem todos os dias comigo, é difícil passar essa informação sem inconveniência.
-Nem para socializar, você consegue parar?
-Este diálogo foi minha maior socialização em quatro meses. Meu último namorado era o centro do meu ciclo social. Nunca fui muito de namorar, e o menino não me fez querer tentar de novo tão cedo. Fico bem sozinha, sem amigos. Meus pacientes chegam, voltam para casa, ou não, e eu gosto disso. Não sei manter relações emocionais, então meu único amor é o cérebro humano.
-Você parecia uma pessoa mais animada do que isso.
-E você não parece ter a dilatação vaginal que tem, mas é isso o que ilusões sobre cargos e pessoas passam para nós.
Valerie a encara por um instante, rindo consigo logo em seguida. Ela sempre soube, mesmo sendo conhecida como uma grande vadia, que não aparentava ser uma. A falsa classe de suas vestimentas e postura enganou a muitos, fazendo-a receber como prostituta de luxo por serviços que faria até de graça.
-É. – Diz Valerie- Você tem bons argumentos.
Barbara sorri com o canto da boca, ligeiramente. Acariciar seu ego parece fazê-la feliz, já que não possui laços para que isso aconteça com maior frequência. Contente com a quebra do silêncio, Barbara liga o rádio do carro. Já era fim de tarde, quando elas começaram a se aproximar do hospital. Ao som de "Angel", Valerie observa o solstício do horizonte. Enquanto não puder ajudar a filha, Valerie sentirá que não fez o suficiente em sua vida. Tudo o que Valerie pensa em fazer, é compensar os erros passados e salvar a filha, se for capaz.
Ao chegarem no estacionamento, o relógio marca 19:37.
-Então, qual seu plano?- Pergunta Barbara, curiosamente insegura.
-Eu vou dormir no quarto de Lissandra e ver se há algo que eu possa fazer. Se não adiantar, eu tentarei uma abordagem mais abrupta.
- Certo. – Barbara olha para o céu- Vamos entrar logo. Está frio, escuro e aparentemente vai chover.
Passando a entrada do hospital, com pouco mais de três minutos de caminhada, Valerie e Barbara passaram por uma sala de crianças com câncer. Valerie enche seus olhos com água, chamando a atenção de Barbara. Valerie nota o olhar de Barbara e, com um suspiro, explica sua comoção.
-Aconteceu duas semanas após a morte de Origenes.
-O quê? - Barbara não entende.
-Minha mãe. - Valerie faz uma pausa, olhando para a sala ao lado- Ela morreu de câncer, duas semanas após Origenes ser morto.
-Você tinha razão.- Barbara olha para Valerie- Eu realmente me surpreendi.
-Não queria tê-la perdido dessa forma. Mesmo que nosso relacionamento não fosse bom, eu tentei mudar algumas coisas.- Valerie faz outra pausa, mais demorada- Eu não me arrependo das coisas que fiz, eu só... queria ter lidado melhor com a situação.
-Você não fala muito sobre isso, não é mesmo?- Barbara parece levemente interessada na história de Valerie.
-Nunca contei meus problemas com ela para alguém além de Origenes.- Seu olhos enchem de água- Mas minha situação com ela é igual a de Lissandra comigo, entende? Eu não posso perder ela também.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Chluv
FantasyValerie Chluv é uma mulher da vida, não apenas por ser uma ex-prostituta dona de uma boate e casa noturna, mas por conhecer muito sobre o ser humano e sobre si mesma... ou conhecia, até uma noite qualquer em que sua vida recebeu uma bela, mas nem tã...