Prólogo

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Levantei-me ainda sonolenta pela noite mal dormida. Pudera! Ficamos acordadas até as tantas da madrugada, e por mais incrível que pareça, essa foi uma das raras vezes que isso ocorreu.

Sentei-me na ponta da cama e estiquei-me ao máximo para alcançar o maldito despertador que estava sob o criado mudo totalmente vintage do quarto de Clara, o qual não parava de tocar aquela música irritante. Considerem o fato de que meu humor matinal é dos piores possíveis.

— Acordou, Sam?

Eu estou vendo o que estou vendo? Clara Albuquerque, minha bela e maravilhosa melhor amiga, está acordada antes de mim e ainda por cima já está vestida?!

— Quem é você e o que fez com a Clara? — Saltei da cama e a virei para minha frente.

— É, você ainda está com sono. — Soltou-se das minhas mãos e voltou a fazer o ritual de pegar a escova na penteadeira branca (também vintage) onde estava sentada, passar nos cabelos loiros e escorridos de frente ao espelho oval da mesma, e devolvê-la novamente a superfície plana que estava apenas ocupada por alguns pincéis de maquiagem e sua coleção de batons importados.

Chequei as mensagens que recebi durante o tempo que estive dormindo, e para melhorar o meu humor, Clara havia adiantado o despertador em dez minutos.

DEZ MINUTOS!

Preciosos dez minutos em que eu poderia ter aproveitado o resto do meu sonho que agora sequer lembro mais. E foi aí que a ficha caiu. Todo esse alvoroço tinha nome e sobrenome. E como tinha!

— Clarita, meu amor, não me diga que você me acordou às cinco e cinquenta da madrugada e está toda arrumada como se fosse ir ao Oscar por causa de Matheus Aguiar? Aquele ser humano que nunca sequer olhou na sua cara e chegou naquele maldito colégio na sexta-feira? —Coloquei-me ao lado do banco da penteadeira onde ela estava sentada.

— Primeiro: eu te fiz um favor em adiantar o despertador. — Ela fazia o número um com a mão que estava ocupada com a escova. — Segundo: sim, estou me arrumando para que Matheus me note, mas isso de fato não será um grande sacrifício, levando em consideração o fato de que os meus pais são amicíssimos dos dele. — Levantou o segundo dedo. — E terceiro: vá se arrumar logo, pois Gabe não nos esperará!

Ela nem se dignou à levantar o terceiro dedo.

Bufei impaciente e me dirigi até a porta branca de madeira talhada que ficava logo ao lado do criado mudo de seu quarto, entrando no enorme banheiro daquela suíte e me preparando mentalmente para suportar a nova paixonite de Clara.

Era uma das coisas realmente raras de se acontecer. Lembro-me detalhadamente que nesses doze anos de amizade, minha amiga se apaixonou apenas três vezes.

Primeiro por Lucca Sampaio, o garoto geek gatinho da terceira série, cuja paixão durou apenas duas semanas, quando ela viu que ele só se interessava por livros e filmes de ficção científica.

Depois foi a vez de Gabriel Dantas, filho de uma das amigas do grupo do chá das cinco de sua mãe, essa de fato foi a mais curta, durou apenas uma semana, já que o garoto não veio nos dias seguintes.

E a última até agora, Leonardo Souza, o garoto do nono ano que era perseguido por todas as garotas do colégio e que deu um baita fora nela pelo fato de estarmos apenas no sexto ano.

Eu realmente não sei se suportarei mais uma de suas paixões. Somente pelo simples fato de que Clara se torna um ser insuportável quando está apaixonada. E com insuportável eu não estou exagerando. A garota fala a cada cinco segundos sobre a pessoa, faz lista dos padrinhos e madrinhas do casamento, escolhe os nomes dos filhos e até a cor das paredes da futura casa - mesmo que eles não tenham nada ainda.

Às vezes chego a considerar o fato de que minha amiga é doente e precisa ser tratada, mas aí percebo que a única doença que ela poderia ter é se entregar totalmente à uma paixão que com certeza não irá a frente.

Espero que o amadurecimento que ela conquistou ao longo desses dezesseis anos de vida seja o suficiente para ela não agir como uma louca descontrolada - não que ela já não seja uma.

Também espero que dessa vez ela não saia machucada dessa história.

Não no que depender de mim.

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