A Tigela De Cereal Perfeita

5 0 0
                                    

Rossi segurou a maçaneta da porta, sem coragem de abrir. Do lado de fora do quarto, como estariam as coisas? Normais? Ou talvez houvesse um anjo ali...? Teria sido um sonho, ou era real? Eram muitas perguntas para o pobre Rossi, que estava parado ali há nada menos que vinte e três minutos e meio. Devagarzinho, muito mais do que o necessário, o garoto entreabriu a porta e chamou baixinho:

-Dominique...? Você está aí?

Sem resposta. Com um suspiro, Rossi abriu a porta e seguiu para a cozinha para comer uma boa tigela de cereal com leite, e ao passar pela sala... viu uma montanha de cobertores e almofadas no sofá, o rosto de Dominique saindo daquela massa disforme. O anjo observava a TV, onde passava um daqueles programas chatos de venda de jóias que ninguém gosta.

-O que você está...? - Rossi se aproximou, suspirando, e pisou no controle remoto que estava no chão, mudando o canal da TV para um jogo de golfe... que ninguém gostava também.

-Seu idiota!! - Dominique exclamou, inflando as bochechas - Volta lá! Ponha de volta!

-Você estava gostando de assistir aquilo...? - Perguntou o garoto, incrédulo.

-Brilhante. - Dominique assentiu - Peças brilhantes me fazem feliz. - E quando viu que Rossi não se moveu, jogou com força uma almofada - Ponha de volta!!

-Ah!! - Rossi caiu sentado no chão quando a almofada atingiu seu rosto - Tá bom, não precisa de agressão! Meu Deus, calma... - E mudou novamente de canal, deixando o controle remoto na mesinha de centro.

Dominique voltou sua atenção à tela, parecia estar mesmo se entretendo com as jóias exibidas pela apresentadora. Rossi percebeu que Dominique se encantou especialmente por um colar de prata que tinha um pingente delicado e azul, e não pode deixar de pensar que cairia bem no anjo. Por fim, se levantou e disse com indiferença:

-Vou comer uma tigela de cereal. Você também quer?

-Quero. - Dominique nem mesmo desviou os olhos da tela.

Na cozinha, a complexa tarefa de preparar duas tigelas de cereal perfeitas teve início. Primeiro, duas tigelas do tamanho correto foram escolhidas, e em seguida, o cereal de melhor qualidade foi separado das demais caixas. Duas colheres limpas foram colocadas na mesa, e por fim, o leite foi tirado da geladeira. Integral, como todo bom leite deveria ser, nada daquela palhaçada de leite desnatado. Eca.

Rossi fechou os olhos e se concentrou. Reuniu todas as suas forças, evocando os espíritos do café da manhã para abençoar sua refeição, e enfim abriu os olhos e começou a trabalhar. Primeiro despejou nas tigelas a quantidade ideal de flocos açucarados, depois jogou o leite com perfeição, sem derramar uma gota. Obviamente o leite ia por cima, quem fizesse o contrário estaria maculando os bons costumes e tradições.

Depois de observar seu trabalho brilhante e colocar o toque final - as colheres -, Rossi olhou para a porta da cozinha e chamou:

-Dominique, vem comer.

-Traga para mim. - Foi a resposta.

-Eu não vou te levar nada, venha comer na cozinha. - Rossi caminhou até a sala, a testa franzida.

-Mas Rossi... - De repente, os olhos de Dominique marejaram. Sua expressão de cachorrinho abandonado deixou o garoto sem ação - Eu ainda estou com o corpo ferido...

Sem dizer uma palavra, Rossi deu as costas, foi para a cozinha e retornou com as tigelas de cereal, entregando uma a Dominique. Sentou-se ao seu lado no sofá e revirou os olhos, fadado a reconhecer a derrota.

-Vê se não suja o sofá ou o cobertor. Muito menos as almofadas. - Disse.

-O quê? Vai comer comigo? - Dominique estreitou os olhos, segurando a tigela com as duas mãos - O que te faz pensar que te dei essa liberdade, seu tarado?

Fallen AngelOnde histórias criam vida. Descubra agora