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— Está tudo bem Gustavo? — o homem de terno marrom e gravata escura aprumou os grandes óculos no rosto para observar com mais precisão o rosto de seu jovem paciente.

— Sim, tudo bem — o psicólogo não acreditou.

Alguém que esteja bem não passa duas horas sentado no sofá  encarando com olhos vidrados o vazio na sua frente.

— Tem certeza Gustavo? — colocou a caneta no meio da página em branco do livreto de capa de couro e tirou os óculos. — Já faz um mês que estamos tendo as sessões e eu não sinto que estamos tendo progresso nenhum.

E não estavam. Mas não era culpa de Gustavo. Nem do psicólogo. Talvez nem dos pais que o obrigavam a ir todos os dias, até que estivesse curado.

— Estou bem, só estou pensando — sussurrou, as mãos grandes e magras apertavam o couro vermelho do sofá.

— Bem, então me diga: no que está pensando?

— Penso que não deveria está aqui — o aperto no sofá ficou mais forte.

O psicólogo observou essa repentina ação. Então decidiu instigá-lo a falar.

— Sabe por quê está aqui, não sabe?

A respiração de Gustavo acelerou.

— Para ser curado — as palavras saíram como um uivo entre os dentes apertados.

— Curado de quê Gustavo? O que você tem? — instigou.

Seu peito subia e descia com rapidez e Gustavo podia sentir o rubor esquentar suas bochechas.

— Eu sou gay! — encarou com firmeza os olhos do psicólogo ao falar.

Era a frase mais alta que dizia a semanas. Mas estava certa. Gustavo Alcântara é gay.

Segundo o que relatou ao psicólogo, Gustavo sempre se sentiu diferente. Desde a infância seus gostos eram os opostos dos de Ricardo, seu irmão mais velho

O irmão gostava de jogar futebol e de beijar garotas.

Gustavo gostava de assistir o jogo de futebol e de ler livros e revistas.

Isso não significava nada, é claro. Apenas um sinal de que era diferente do resto da sua família.

Seu pai era pastor. Estava sempre com uma roupa cortês muito bem passada e uma bíblia na mão. Gustavo achava engraçado quando era criança, mas deixou de ser quando foi e um dos cultos dominicais.

Lá seu pai gritava, tão alto que seus ouvidos doíam. Apertava os olhos com força e erguia as mãos para o céu proferindo palavras que naquela época Gustavo não compreendia bem.

Sua mãe era uma boa mulher. Saía cedo de casa para ir a casa dos patrões. Era empregada doméstica. Ganhava para arrumar a casa de outras pessoas, e quando chegava em casa ainda ia arrumar tudo.

Uma vez, quando tinha sete anos, Gustavo estava sentado na mesa vendo sua mãe arrumar a cozinha. Seu trabalho era impecável. Então Gustavo disse que ela também deveria receber por cuidar tão bem da própria casa. Sua mãe riu e disse concordo.

Seu irmão era dois anos mais velho. Logo estaria se formando na escola. Mas o que ele gostava mesmo era jogar futebol. Gustavo acompanhou diversas vezes a saga do irmão e suas fugas para o futebol. Apesar do pai brigar era melhor do que se ele estivesse se misturando com pessoas ruins.

Essa era sua família. Gustavo os amava, mas sempre sentiu que, de alguma forma, era diferente deles.

Isso não ficou claro até a chegada da adolescência. Quando Gustavo começou a frequentar diariamente as arquibancadas dos jogos de futebol.

Não era por apreço ao esporte, ele sabia que não. Mas passou muito tempo se negando a admitir que admirava o corpo dos meninos do time sem camisa. A sorte de Gustavo era que sempre havia o time dos sem camisa.

Ele se culpava depois, tinha vontade de se matar. Mas toda vez que vinha dos jogos Gustavo pegava uma toalha e ia direto ao banheiro. Ligava o chuveiro e se despia. E então se tocava, com a imagem dos garotos sem camisa ainda lhe rondando a mente.

E apesar de ser tímido Gustavo fez muitos amigos por ali. Amigos que mais tarde se afastariam e até zombariam dele.

O problema começou a pouco mais de dois meses. Quando um novo vizinho mudou-se para a casa da frente.

Não havia ninguém em casa naquela quente tarde de sábado. Gustavo estava na sala assistindo a um filme na tela preto e branco da televisão, mas teve que ir até a cozinha beber mais água. Quando voltou o caminhão já estava estacionado do outro lado da rua.

Gustavo foi até a janela para observar melhor. Uma mudança repentina sempre despertava a curiosidade da vizinhança.

Não viu nada de muito interessante e voltou ao filme. Menos de cinco minutos depois ouviu uma batida em sua porta.

Toc, toc, toc...

Se levantou relutante e foi atender. Quando abriu a porta seu respiração falhou.

Na sua frente estava um garoto. Tinha cabelos escuros penteados em um topete sexy e olhos castanhos intensos. Era alto, talvez quinze ou vinte centímetros a mais que Gustavo, e tinha um sorriso encantador.

O único problema é que parecia dois ou três anos mais velho.

— Oi. Desculpa incomodar, mas é que eu estou me mudando pro outro lado da rua e ajudando na arrumação dos móveis. Eu queria saber se você não tem pregos sobrando. Eu preciso colocar alguns quadros na parede — a voz era rouca e calma. E isso fez Gustavo suspirar, também o fez demorar demais a responder.

Gustavo passou algum tempo encarando o vizinho até a situação ficar meio esquisita.

Então piscou como se alguém lhe tivesse acertado um tapa.

— Ah, pregos! Eu vou pegar — deixou a porta aberta enquanto caminhou para a cozinha e foi direto a caixa onde o pai  as ferramentas. Achou os pregos e caminhou de volta para a porta.

— Aqui — Gustavo estendeu a mão para entregar o pacote de pregos. O vizinho estendeu a mão de volta.

Por um segundo pensou que o vizinho demorou propositalmente para pegar o pacote.

Mas isso era o que ele queria que tivesse acontecido e não o que realmente aconteceu.

— Obrigado pelos pregos... — percebeu que a pausa era para se apresentar.

— Ah, eu sou o Gustavo.

— Eu sou Felipe — sorriu fazendo o coração do jovem garoto quase sair pela boca. — Obrigado Gustavo. Até mais.

— De nada Felipe. Até — se despediu.

Felipe caminhou para longe e atravessou a rua. Parou e quando ia olhar para trás Gustavo fechou a porta.

Não queria ser o vizinho stalker esquisito.

Mal sabia que já era tarde demais.



A Cura Para GustavoOnde histórias criam vida. Descubra agora