— Eu preciso que você fale o que tem Gustavo, para que eu possa te ajudar.Você não pode, pensou encarando o tapete felpudo da sala. Ninguém mais pode me ajudar.
— Eu não preciso de ajuda... — sussurrou apertando as mãos uma contra a outra.
— É claro que precisa Gustavo. Por isso você está aqui — o psicólogo suspirou parecendo cansado.
Gustavo estava mais, ele estava exausto. Queria que o psicólogo não tivesse o direito de fazer isso com ele. Mas ele tinha, porque Gustavo era considerado doente segundo uma lei federal.
— Eu posso te ajudar Gustavo, posso te ajudar a ser normal como seus amigos e sua família. Não sente falta de ser normal? — o homem se recostou no sofá e observou a expressão melancólica dele.
Estava tocando em um ponto fraco. Gustavo sentia falta sim de seus amigos e sua família.
Aquele mês foi insuportável. Ele não conseguia mais aguentar aquilo.
Depois da surra que levou do pai Gustavo passou quase duas semanas sem ir a escola, também não podia sair de casa pois estava de castigo. Estava proibido de assistir televisão e todos os seus aparelhos eletrônicos foram confiscados.
Sua única distração era acompanhar a rotina de Felipe da janela de seu quarto. Era bom ver o quanto seu vizinho parecia feliz, saía muito com seus amigos e sempre chegava sorrindo. Sua mãe sempre o recebia cheio de abraços e beijos.
Pelo que constatou Felipe morava apenas com a mãe. Ela trabalhava em alguma empresa (isso Gustavo constatou ao ver as roupas formais que usava), mas sempre voltava cedo para casa.
De tanto observar seu vizinho Gustavo acabou sendo flagrado. Quando Felipe olhou para a janela de seu quarto seu coração quase saiu pela boca, mas foi por receber sorrisos e acenos.
Era rotina. Todos os dias quando Felipe chegava ele olhava para a janela da frente. E lá estava Gustavo, o observando. Felipe acenava e sorria, o observador retribuía.
Quando o castigo acabou ele não estava preparado para voltar a escola. Mas era necessário.
Gustavo não soube como, mas quando voltou a escola todos sabiam sobre sua sexualidade. Mais tarde desconfiou que Ricardo era o responsável por aquilo.
Quando pisou no pátio do colégio sentiu os olhares lhe fuzilando como calibres. Gustavo sentiu um forte incômodo, mas fingiu que estava tudo bem.
Está tudo bem, vai passar. Pensou.
Estava enganado.
Começou quando seus amigos do futebol se afastaram dele. O ignorando. O pai o proibiu de frequentar a igreja para não distrair os fiéis.
Quando sentava-se na arquibancada para assistir aos jogos a maioria das pessoas se afastava.
Um grupo de garotos (os do time sem camisa) até o ameçou.
— Se você ficar olhando muito pra gente nós vamos quebrar a sua cara!
Gustavo decidiu que não iria mais assistir aos jogos. Mas isso não ajudou em nada. As coisas apenas pioraram.
Todos dias Gustavo tinha que aguentar as humilhações na escola. Em casa tinha que aguentar o pai e o irmão o ignorando e a mãe magoada.
Tudo estava se tornando insuportável.
Mas a semana do aniversário de Gustavo foi pior.
Seus pais se recusaram a fazer alguma festa. Ele não recebeu nem bolo, nem parabéns. Nada.
Na escola os alunos se juntaram para lhe dar um presente. Lhe compraram um pênis de borracha que vinha com um recado:
Aproveite! Sabemos que gosta.
Gustavo passou aquela noite trancado no quarto. Chorando. Chorou como nunca tinha chorado antes. Quando se acalmou a ideia passou pela primeira vez pela sua cabeça.
Era um tanto estúpida, mas ele já não tinha mais saída. Não aguentaria viver assim por mais tempo.
Então Gustavo se isolou. Não das pessoas, elas mesmas haviam feito isso por ele. O jovem se isolou dentro de si próprio.
Ele mesmo não percebia, mas os sinais estavam claros. As roupas ganharam um tom mais escuro, os olhos perderam o brilho. O garoto passava a maior parte do tempo encarando o vazio e andando por aí no automático.
Algumas pessoas perceberam, outras não. Mas no fundo, naquele momento, ninguém parecia se importar. Nem o próprio Gustavo.
Ele estava ali porque Daniel, o psicólogo, era amigo de seu pai. Ele prometeu ao amigo que faria seu filho melhorar. Mas Gustavo estava dificultando essa promessa.
— Acho que você precisar descansar Gustavo — o psicólogo apertou os olhos cansado — vá para casa. Nos encontramos na sessão de amanhã.
Amanhã não vai haver sessão Doutor, pensou silenciosamente.
Gustavo se levantou da poltrona e deu uma breve analisada naquele homem. Ele não o culpava de nada, de uma forma errada e distorcida o homem estava apenas tentando ajudar.
Gustavo sussurrou um adeus em pensamento, saiu da sala e caminhou para fora do prédio.
Ele suspirou profundamente ao sentir o ar frio daquela tarde nublada lhe tocar o rosto.
Caminhou passo a passo para casa. Reparando em cada detalhe ao redor. Não dava importância aquelas coisas no dia a dia. Mas tinha que reparar, afinal aquele era o último dia.
Passou em frente ao campo que costumava assistir aos jogos. E lá estavam os caras que pensou ser seus amigos. E seu irmão. De quem sempre esperou apoio e não teve.
Quando estava em casa teve que tirar a chave do bolso e destrancar o lugar. Não havia ninguém ali.
Gustavo subiu direto para o quarto. Sua respiração começou a se tornar pesada.
Ele tirou debaixo do colchão a caixa de gilete que guardava havia duas semanas. Colocou sobre o criado mudo e quando ergueu o olhar viu a casa de Felipe através da janela.
Apesar de está recluso nunca deixou de ficar na janela para esperar o vizinho. Gustavo tinha a impressão de que o próprio Felipe esperava por aquilo.
Por um segundo imaginou qual seria a expressão de Felipe ao não vê-lo na janela.
Porque ele não estaria lá.
Nem na escola.
Nem no psicólogo no dia seguinte.
Nem no quarto quando os pais chegassem.
Gustavo estaria no banheiro.
Morto.
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A Cura Para Gustavo
Historia Corta#12 em Conto. Conto vencedor do desafio #SetembroAmarelo. Concurso do perfil RomanceLP. • Esta obra faz críticas a decisão de um juiz federal de tratar homossexualidade como doença. SINOPSE: A sirene podia ser ouvida de longe. Os vizinhos se aglome...